Opinião

Rondonópolis e o ócio cultural

Por Hermélio Silva

Foto: Dr. José Aparecido Alves Pinto

Ah Bilac, se soubesse como dói reler o Soneto “Língua Portuguesa” assistindo aqui nas plagas de Rondon. Às vezes acho que estou numa cidade provinciana, onde as pessoas sentam à porta da sua moradia no fim da tarde, em suas cadeiras de fio jogando conversa fora ou tomando chá com bolinho de chuva. Noutras, vejo-me dentro da bolha paulista, para a qual parece que todos correm para tirar o cânhamo do pescoço de alguém muito importante. Em dado momento, paramos tudo e vamos degustar o atualíssimo e importado chimarrão ou tereré. Rondonópolis, como esplendor sessentona ou sepultura de sonhos, mas ainda assim, como a última flor do Lácio: inculta, rica e bela.
Bela moça casadoira é essa cidade que sempre me traz de volta, nas mais diversas circunstâncias. Já lhe prometi nunca mais sair do seu seio, por diversas vezes, mas atraído por garimpos culturais e pela obtenção de uma melhor qualidade de vida, já me fiz ausente ou um lesa-pátria, quebrando a jura de amor eterno. Retorno mais maduro e com as mesmas promessas de outrora, como se fosse o único e último compromisso inquebrantável. Trocando a escolha da culta e bela cidade paulista Serra Negra, vejo-me aqui novamente, talvez devido aos “calores” da nossa amada terra.
Não somos quatrocentona, por isso não temos uma cultura constituída, forte e definida. História sim, temos para contar em prosa e verso, e olha que alguns escritores já contaram e recontaram. Vemos nossos fundadores mudarem para o endereço lá de cima, e a oportunidade do registro audiovisual está sendo perdida de forma ímpar. Aquele fotógrafo do lambe-lambe está aí, ainda, para registrar com sua voz e história viva, que será consumida pelo tempo e pela posteridade, tudo aquilo que viu, ouviu e quer contar, só não lhe damos ouvidos. Tomara que apareça alguém com três aparelhos auditivos, muito em breve.
Sem pretensão de me tornar o ideário para a solução dos problemas culturais rondonopolitanos, ou o responsável pela execução de qualquer proposta para tanto, declinando desde já de qualquer convite para tal, gostaria mesmo é de discorrer sobre uma provocação para se discutir a nossa cultura. Pois, além de precisarmos do minguado pão, temos cultura correndo em nossas veias, como se fosse uma mina com muito cascalho para ser lavado, tanto na bateia, na “cobra fumando” ou nos martelos dos trituradores Tamandaré.
Viver da arte é ofício para poucos. Há mecenas privados desde antão, e Rondonópolis não é diferente, mas necessário há de se direcionar uma maior parcela de investimentos para os nossos artistas, e eu seria aqui um lesa-pátria da arte, se não declinasse minha opinião. Transito bem entre os artistas rondoninos, nas mais diversas áreas, e tive, tenho e terei parcerias com eles nas mais diversas oportunidades que Deus permitir. Por nossa indicação ou suporte, conterrâneos já atuaram ou se apresentaram nos mais diversos estados brasileiros, inclusive em Havana, Cuba, quando o filho ilustre da nossa terra, Maurílio Fagundes, recebeu rasgados elogios do maior dirigente da delegação brasileira e do ministro da cultura cubano, Rafael Bernal, quando participou como um dos coordenadores do projeto Sinfonia Ecológica Brasileira, que se apresentou no teatro Karl Marx.
Voltando para nossa terra dos Bororos, podemos avaliar que se fosse dispensado o mesmo montante que se empenha para a Exposul, aqui no Sudeste do estado, para ações culturais tendo o artista como fim, mesmo que de forma pulverizada atenderia a demanda reprimida. Se o artista não for ativo na sua cobrança, com o apoio da população e vontade política, não teremos tão cedo a realização dos projetos e sonhos culturais, ficando no arrolo e não na procela, citados no poema do Bilac. Os instrumentos culturais constituídos não terão sucesso se não tiverem o reconhecimento da classe política e do governo municipal, dando-lhes infraestrutura, recursos humanos, reconhecendo-os e dispondo de recursos em editais anuais para projetos culturais.
Não podemos ficar dependentes só das leis estadual, federal e dos editais das empresas públicas e privadas, pois são de difíceis aprovações, porque concorremos com o Brasil inteiro. Temos de cobrar dos nossos deputados estaduais que façam gestões ao governo para aprovação de mais projetos e mais recursos para a região Sudeste. Aos federais e senadores, que possibilitem oportunidades para esses artistas tornarem-se proponentes e que sugiram apresentação de projetos que atendam aos artistas e ou a suas entidades, como exposição coletiva, shows de músicos locais, concursos e coletâneas. Aos políticos dos parlamentos, que disponibilizem seus gabinetes, assessores ou até escritórios locais para elaboração, suporte e acompanhamento dos projetos, dentro da legalidade, com a importante chancela dos políticos que nos representam.
Quanto à lei federal (Lei Rouanet), que tem renúncia fiscal de 100% para empresas, limitada a 4% do imposto de renda devido, não tem adesão das empresas. Primeiro por desconhecimento, segundo por medo do fiscal federal visitar sua empresa no outro dia, denotando que sonegam impostos. Espero que o primeiro caso seja a ganga impura.
Quanto ao município, que seja secretaria, departamento, coordenadoria ou nada disso, pois o que importa é a ponta receber as oportunidades que tanta espera. Cumprindo leis em vigor, alterando ou até criando novas leis, mecanismos e ou atos legais que podem alcançar, através de renúncia fiscal ou não, o tão almejado apoio cultural. E olha que isso já ocorreu no passado, com a Lei Juca Lemos, que ainda está em vigor. Se ela não é a adequada, que se adeque, na melhor forma republicana.
É isso que a sociedade quer. Os artistas esperam e a mãe-pátria orgulhosa deseja ver seu rebento gênio com ventura e amor brilhante.
“Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”

 

Hermélio Silva – Formado em Marketing, escritor  e

Membro fundador da Academia Rondonopolitana de Letras – ARL,

cadeira nº 06. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *