Opinião

Que venha a Fuzilândia

Desarrumada. De ponta-cabeça. Assim está a casa institucional brasileira em seus três poderes, ou cômodos, para efeito ilustrativo. Em Mato Grosso ouço vozes – muitas – suplicando por golpe de estado para o reordenamento com o presidente Jair Bolsonaro transformado em ditador, governando por decreto, com o Congresso e o Judiciário fechados. A defesa da ruptura do regime democrático é apresentada com duas fundamentações: o perigo comunista e a exorcização da corrupção. O fim da liberdade democrática tem até data anunciada para acontecer: 7 de setembro, que seria o dia em que a República Federativa do Brasil seria substituída pela Fuzilândia.

Em Mato Grosso, os que defendem a Fuzilândia, salvo uma ou outra exceção, contribuíram direta – menos – e indiretamente – mais – para o ponta-cabeça em Brasília. A corrupção e as mamatas são nacionais, mas, nascem nos municípios que formam a base territorial brasileira. Temos a ferramenta para estancar essas práticas: no nosso caso seria a desratização política com a troca da bancada federal, a substituição quase total da Assembleia Legislativa e a pressão social pelo fim dos privilégios concedidos ao Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado.
Acontece que os defensores da Fuzilândia não elevam a voz crítica pra arrumarmos nossa casa. É mais cômodo desancar o velho corrupto ex-presidente Lula da Silva, como se ele fosse o Rei Momo da corrupção – primeiro e único. Os que querem ser fuzilandenses deveriam dar a mão à palmatória. Reconhecerem que suas ligações com a banda pobre da política mato-grossense contribuíram para o caos ora instalado.
Políticos que dividem os cadernos de Política e Polícia nos jornais em Mato Grosso chegaram ao poder com a ajuda de fuzilandenses ou lhes deram participação na vida pública por meio de contratação de suas empresas ou dos mesmos e parentes para cargos em seus gabinetes ou em repartições que lhes são destinadas pelo fatiamento do poder.
Dentre os que esbravejam na redes sociais em defesa da Fuzilândia, não deveriam fazê-lo quem participou de campanhas eleitorais e votou em Carlos Bezerra, Silval Barbosa, Rosa Neide, Zé Carlos do Pátio, Eliene Lima, José Riva, Carlos Fávaro, Humberto Bosaipo, Amador Tut, Sérgio Ricardo, Pedro Henry, Ezequiel Fonseca, Dilmar Dal Bosco, Dilceu Dal’Bosco, Eduardo Botelho, Wilson Santos, Pedro Satélite, Romoaldo Júnior, Walace Guimarães, Murilo Domingos, Júlio César Ladeia, Lino Rossi, Asiel Bezerra, Gilmar Fabris, Wellington Fagundes, Jayme Campos, Augustinho de Freitas, Pedro Taques, Mauro Mendes, Emanuel Pinheiro, Blairo Maggi, Silvano Amaral, Percival Muniz, João Emanuel, Chica Nunes, Jaime Muraro, José Domingos Fraga, Alexandre Cesar, Airton Português, Deucimar Silva, Ademir Brunetto, Otaviano Pivetta, João Malheiros, Antônio Azambuja, Priminho Riva, Nilson Leitão, Luciane Bezerra, Valtenir Pereira, Roberto França, Oscar Bezerra, Gaspar Domingos Lazzari, Cidinho dos Santos, Ananias Martins, Neri Geller, Mauro Savi, José Carlos Novelli, Antônio Joaquim e tantos outros ou que integrou equipes ou que tenha prestado serviço a Éder Moraes, Maurício Guimarães, Afonso Dalberto, Paulo Taques, Yuri Bastos Jorge, Geraldo de Vitto, Permínio Pinto, João Justino, Sílvio Corrêa e muitos mais. Não deveriam, porque tais personagens ou contribuíram para a degradação da casa institucional ou ajudaram a desmoralizá-la com os escândalos que promoveram – por mais que neguem as acusações e as denúncias do Ministério Público sobre seus atos ou supostos atos.
Os erros de ontem, muitos no silêncio e o isolamento da cabine eleitoral são volatilizados pelo relógio implacável do tempo, principalmente em Mato Grosso, onde escândalo espera em fila tamanha a corrupção. Os fuzilandenses contam com a aliança temporal e desenvolvem a chamada amnésia proposital. Essa amnésia é que os empurra ao golpe: matemos o ontem e vivamos o amanhã ungido pelo esquecimento e beneficiados por sermos amigos do rei – devem pensar assim.
Não vislumbro possibilidade de reversão do golpe. A Fuzilândia reforçada pela dramática definição de Bolsonaro sobre seu amanhã, “Estar preso, ser morto ou vitória”, mexe com minha memória. Em 1970 na mineira Governador Valadares conheci o Ivã, que é abreviatura de Ivanovich, mecânico dos bons que dois anos antes fugiu da Checoslováquia. Ivã, emocionado, falava sobre a Primavera de Praga, o período em que o povo de seu país brigou e sonhou com a liberdade, que não conseguiria de imediato, pois em agosto de 1968 os soviéticos invadiram seu país para sufocar o grito por democracia. À época – dizia ele – o povo extravasava, realizava seus desejos, pois sabia que a invasão aconteceria a qualquer momento e que após a mesma seria a treva da ditadura comunista.
Vivi 1964 e defendi que os militares com apoio de Magalhães Pinto, Adhemar de Barros, Carlos Lacerda e do Brasil responsável impedissem que Jango instituísse a chamada cubanização, como parte da polarização mundial entre Estados Unidos e União Soviética no auge da Guerra Fria. Hoje, comunismo é coisa do passado. O perigo que nos ronda é quebra da normalidade, inflação, mordomia nos poderes e a insanidade de parcela da população brasileira quando o tema é a condução do país.
Peço a Deus que ilumine os comandantes militares para que não lancem suas tropas contra a liberdade democrática, mas a inconsequência de Bolsonaro e seus seguidores é grande. Uma densa nuvem cobre o azul do céu do Brasil.
De volta ao plano material. Absurdo que o Brasil aceite com naturalidade Bolsonaro mandar o povo desqualificar o feijão e comprar fuzil, arma de guerra também usada por policiais e bandidos. O conceito da defesa do lar e da propriedade tem mesmo que ser rediscutido, mas nunca o governante deve adotar a postura do presidente brasileiro que destilou insanidade tripudiando sobre parte da população que sequer tem recursos para o feijão nosso de cada dia.
Que os fuzilandenses de Mato Grosso agitem das bandeiras do golpismo. Ficaremos aqui à espera do golpe tanto quanto a Checoslováquia ficou em 1968 aguardando os comunistas soviéticos. Ditadura passa. Os tanques, também. Melhor do que isso é a evolução da humanidade, que no amanhã nos brindará com mato-grossenses que saberão reconhecer o desequilíbrio de seus antepassados no ontem e no anteontem. Que venha a Fuzilândia, cujo berço em Mato Grosso, no passado, foi embalado pelos tropeços de cidadania de tantas mãos que se levantam por sua formação.

Eduardo Gomes* Jornalista e escritor, radicado em Cuiabá

@andradeeduardogomes

 

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