Opinião

O bom filho

Lula diz que vai seguir o conselho da mãe analfabeta e só gastar o que tem ou ganha

Por Mary Zaidan

 
Reprodução/Twitter

Seja devido aos últimos anos de desgoverno ou pela bem-vinda ausência de Jair Bolsonaro no pós-eleição, Luiz Inácio Lula da Silva já é presidente. Nem diplomado, nem empossado, mas presidente de fato, reconhecido no mundo e cobrado no Brasil como tal. Incensado por seus acertos, a exemplo do discurso de estadista na COP27, e execrado pelos erros, como os de contrapor controle fiscal ao combate à pobreza – discurso amenizado por ele em Portugal – ou de pegar carona de jatinho com um amigo do setor privado. Como ele próprio concluiu em terceira pessoa no discurso da vitória, Lula não pode errar.

Com críticas juvenis a banqueiros e ao mercado, recheada de velhos chavões que só servem para alegrar alguns nichos da esquerda, Lula perdeu tempo e gastou a paciência de aliados sérios que apostam fichas e se esforçam para o sucesso do novo governo. Consertou-se no dia seguinte, durante entrevista em Portugal, mas deixou no ar uma ciclotimia perturbadora. Não só para a ala financista do mercado – esse ser onipresente e indecifrável, que, por essência, adora uma especulação -, mas para a economia real, o dia a dia.

Mesmo desnecessária e inconsequente, sua artilharia contra o controle de gastos tem sido vista por alguns como positiva. Embora pareça presidente, Lula ainda não o é. Uma condição peculiar e única – não haverá outro momento depois de janeiro de 2023 – que o permite mexer no eixo de equilíbrio entre a segurança fiscal e o investimento social. Em resumo, esbraveja agora para colher frutos à frente. Com responsabilidade fiscal, garantem os defensores dessa linha, o vice Geraldo Alckmin entre eles.

Lula conseguiu reunir em torno de si um círculo diverso e espetacular de competências. Sua equipe de transição, questionada por ter mais de 300 integrantes – 50 nomeados e os demais voluntários – é de uma pluralidade invejável, a ponto de muitos duvidarem dos resultados do trabalho a ser desenvolvido. Difícil imaginar que ele vá prescindir desse apoio farto por vaidade ou acessos de populismo. Tanto que reagiu com excelente bom humor à carta-pito dos economistas Pedro Malan, Edmar Bacha e Armínio Fraga, integrantes do grupo da economia na transição: “Eu sou um cara humilde e gosto de conselho. Se o conselho for bom, pode ter certeza que eu sigo”. Embora humildade não seja propriamente uma das facetas do petista, registra-se a intenção do dito.

É claro que com mais de três centenas de cabeças, as propostas dificilmente serão consensuais, e nem têm a pretensão de ser. Esses grupos continuarão a existir durante o governo, a fazer pressão, tentar, legitimamente, influir. Nos limites da transição o que importa é saber se no batente pesado há técnicos se dedicando ao dever de casa: a análise do descalabro deixado por Bolsonaro na máquina pública.

Pelos primeiros resultados, tudo indica que sim. Para além da PEC para garantir o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, o auxílio adicional de R$ 150 por criança e o reajuste do salário mínimo, há avanços significativos nas áreas de Segurança Pública, com o anúncio do “revogaço” dos 40 decretos e portarias pró-armas de Bolsonaro, alguns suspensos pelo Supremo desde abril. Isso vale também para o Meio-Ambiente, bombardeado por redução de poderes de fiscalização e limitações de participação da sociedade civil. Tudo, é claro, correndo em paralelo com a fogueira de vaidades dos que querem ser ungidos ao primeiro escalão – algo nada excepcional, e sim corriqueiro em qualquer transição de governo.

Quanto a Lula, o melhor mesmo foi saber que, como bom filho, ele não pretende ressignificar, para usar a palavra da moda, a lição da mãe analfabeta: “a gente só pode gastar o que a gente tem ou ganha”.

Mary Zaidan é jornalista

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