Opinião

O Agro que não é pop

Descortesia de lideranças do agronegócio com o governo Lula não é boa para o país

 
Por Mary Zaidan
Imagem colorida mostra máquina em atividade agrícola no Brasil (agronegócio) - MetrópolesVinícius Schmidt/Metrópoles

A preferência de parcela significativa do agronegócio por Jair Bolsonaro não é novidade. E não há qualquer mal nisso, desde que os alhos não se confundam com os bugalhos. Mas foi o que se viu no quiproquó do Agrishow. E com agravantes.

Mais do que uma derrapada de cerimonial, o desconvite ao ministro da Agricultura Carlos Fávaro para a festa de abertura da feira, sob a desculpa de se evitar constrangimento diante da presença do ex, confirma a indisposição de entidades do setor com o governo Luiz Inácio Lula da Silva e, ao mesmo tempo, demonstra que elas nada entenderam desde as eleições de outubro.

Maior feira agro da América Latina e segunda no mundo, o Agrishow, realizado em Ribeirão Preto, sempre foi palco político. Presidentes da República, ministros e governadores tradicionalmente ocupam o palanque principal na abertura, e candidatos a todo tipo de cargo desfilam por seus estandes. Mas jamais, em edição alguma, desde 1994, os organizadores erraram tanto – e pela primeira vez o governo federal não terá um representante no primeiro dia do evento.

Bolsonaro pode ser querido, amado por essa turma, mas é ex. Poderia ser convidado? Claro. Para a plateia e, preferencialmente, em outro dia. Aí sim, evitariam-se constrangimentos.

Provavelmente não por acaso, tudo se deu ao avesso: o convite a Bolsonaro fez parte do circo armado para a sua reestreia depois de seis meses – dois na muda, enfurnado no Alvorada, três nos Estados Unidos, e um em Brasília entre um depoimento e outro à polícia.

O local da reaparição pública do ex foi escolhido a dedo. Em terras paulistas, tendo ao lado o governador aliado Tarcísio de Freitas, e, por óbvio, com o aval dos líderes ruralistas envolvidos na organização do Agrishow. Uma forma nada sutil de arregimentar e garantir público.

Muitos bolsonaristas do agro sentem-se em dívida. O ex-presidente atendeu a diversas demandas deles, incluindo as mais absurdas e condenáveis. Das vistas grossas ao uso indiscriminado de agrotóxicos banidos em várias partes do mundo ao afrouxamento de regras ambientais; dos benefícios a grandes produtores à liberação de uso de armas de fogo dentro das propriedades.

Uns e outros estão listados entre os que auxiliaram direta ou indiretamente as movimentações golpistas, incluindo os atos de terror do 8 de janeiro. Recentemente, o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul firmou um acordo com a Stara Indústria de Implementos Agrícolas por danos morais contra seus trabalhadores durante a campanha eleitoral. A empresa pagou R$ 1,5 milhão a título de indenização por ter ameaçado os funcionários com demissão caso Lula fosse eleito presidente. Há outros inquéritos do tipo em andamento em Santa Catarina e no Mato Grosso do Sul.

Com carradas de razão, produtores rurais reclamam da retomada das invasões de terras pelo MST depois que Lula voltou ao governo. Paralelamente, calam-se diante do desmatamento, grilagens e invasões feitas por “produtores” e “criadores de gado” sob a proteção de Bolsonaro. Não que um ato compense o outro. Ao contrário do que dita a conivência de um e de outro governo, ambas invasões são ilegais e deveriam ser punidas.

Boa parte do agro adora Bolsonaro e odeia Lula? Tudo bem. Mas Bolsonaro é ex, Lula é o governante da vez. É legítimo defender Bolsonaro? Claro. Mas isso não se faz com armação e desrespeito. Também não deveria haver retaliação, com retirada de apoio oficial do Banco do Brasil ao Agrishow.

O Brasil precisa do Agro, responsável por um quarto do PIB do país. O agro precisa de Lula e Lula precisa do agro. O resto é politicagem barata, disse me disse, birras de criança. De um lado e de outro.

Mary Zaidan é jornalista

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