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JARUDORE – O conforto espiritual momentos antes do fim

Em alguns países o condenado à morte tem direito ao acompanhamento por um líder espiritual momentos antes da execução. O Brasil não concedeu, mas não impediu que Jarudorerecebesse o conforto religioso do  bispo Dom Derek John Christopher Byrne, que neste domingo, 18, antevéspera da morte social daquela comunidade (por força de uma desintrusão em primeira instância), celebrasse uma missa. Uma missa carregada de emoção pelos católicos do lugar, que reverenciam a padroeira Nossa Senhora da Glória. Pobre Jarudore!

A comunidade católica dobrou os joelhos em oração ao Pai. Ajudando na celebração, 15 meninas e meninos  da Catequese nascidos em Jarudore, terra natal de seus pais, avós e bisavós. Emocionados, celebrante e fiéis seguiram o rito litúrgico, sem lágrimas externas, sem gritos de desespero. Em alguns momentos de reflexão íntima, o silêncio cortante gritava aos céus. Em cada rosto a expressão de dor, de questionamento, de fragilidade diante do gigantismo da pesada mão do Estado BrasileiroPobre Jarudore!

Crianças nascidas em Jarudore ajudam na celebração da missa

No ofertório a comunidade levou ao altar frutos da terra onde brasileiros dos mais diferentes credos cultivam há 74 anos. Na homilia o prelado pediu que todos continuem acreditando, que preservem a fé em seus corações. Na bênção final, o choque com a realidade. Seria aquela a última vez que a igreja de Roma celebraria uma missa em Jarudore, onde sempre esteve presente? – Ide em paz e o Senhor vos acompanhe – disse o bispo. Em muitas gargantas da gente sofrida, a palavra “Amém”  não foi pronunciada de forma audível, mas todos a disseram intimamente – é que a dor quando muito profunda rouba a voz. Pobre Jarudore!

Amanhã, segunda-feira, 19, será um dia de intensa agonia e sofrimento. Agonia à espera que um dos três pedidos de efeito suspensivo (à decisão da desintrusão) seja concedido no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.  Sofrimento, porque mesmo que se consiga a medida pedida, a ação se arrastará com o Ministério Público Federal, Funai, ONGs internacionais e militantes de esquerda pedindo que a Justiça bote no olho da rua os 1.650 moradores do lugar. 

JARUDORE – Em Jarudore, distrito de Poxoréu, vive uma  população que há 74 anos forma um comunidade de sitiantes, pequenos fazendeiros, comerciantes, professores, mecânicos, peões, donas de casa, aposentados, estudantes, servidores públicos, motoristas, tratoristas. São 1.650 brasileiros, que vivem mansa e pacificamente numa área que foi habitada por seus ancestrais, como parte da política oficial de ocupação do vazio demográfico do Brasil interior.A Funai e o Ministério Público Federal querem que aquela área seja transformada em aldeamento dos índios bororos e, consequentemente em reserva indígena.  Pobre Jarudore!

O CASO – Em 25 de junho o juiz da 1ª Vara Federal de Rondonópolis, Victor de Carvalho Barbosa Albuquerque, determinou a desintrusão de duas regiões do distrito de Jarudore. A decisão é algo semelhante ao fatiamento social do lugar. O primeiro, 45 dias após a publicação de sua decisão, e o segundo, 45 dias depois.

A primeira desintrusão será sobre uma área de 1.930 hectares. Um mês e meio depois – tendo o mesmo marco temporal – os que residem numa região com 1.730 hectares farão o mesmo. Cumpridas as duas desintrusões restarão 1.046 hectares que compreendem a vila de Jarudore e seu entorno.

Esse fatiamento prepara o terceiro e último, sobre a região urbana. Assim, sem atingir todos de uma só vez, adotando a sutileza de operações menores, com menos impacto perante a opinião pública, a população do lugar será expulsa de suas casas, para bem longe de suas lavouras, suas hortas, suas vacas leiteiras. Pobre Jarudore!

Desde a decisão da Justiça Federal em Rondonópolis, a comunidade de Jarudore tenta com um pedido de efeitos suspensivo (à decisão do juiz em Rondonópolis) junto ao desembargador  João Batista Moreira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que a contagem regressiva cesse, mas Brasília faz silêncio sepulcral. No dia, 13, a esse pedido somou-se outro, com igual sentido, da Prefeitura de Poxoréu, que será apreciado pelo desembargador Jirair Aram Meguerian, da 6ª Turma do mesmo tribunal de João Batista Moreira. No dia 15, o Governo de Mato Grosso, representado por Alexandre Apolonio Callejas, subprocurador-geral de Defesa do Patrimônio Público e Ações Estratégicas. também ingressou com idêntico pedido, que foi distribuído ao desembargador Daniel Paes Ribeiro, da 6ª Turma.

O DIA 20 – Caso um efeito suspensivo não seja´concedido, no próximo dia 20 acontecerá a segunda diáspora em Mato Grosso no curto espaço de sete anos. A primeira diáspora massacrou a população de Estrela do Araguaia, mais conhecida como Posto da Mata (Leiam POSTO DA MATA)

POSTO DA MATA –  O que acontecerá com Jarudore não será algo inédito em Mato Grosso. Em 2012, na vila Estrela do Araguaia, que era mais conhecida como Posto da Mata, a população foi arrancada de suas casas, a comunidade foi demolida por tratores diante de olhares vigilantes de militares e policiais por sentença da Justiça Federal. Posto da Mata e a área rural da gleba Suiá-Missú (conhecida na região como fazenda do Papa), abrigava 6.500 brasileiros, que ali viviam mansa e pacificamente há mais de três décadas. A vila  surgiu de ambos os lado do limite dos municípios de Alto Boa Vista e São Félix do Araguaia, no cruzamento das rodovias federais 158 e 242.

Posto da Mata foi riscado do mapa. Suas escolas, posto de saúde, igrejas, casas, tudo, tudo mesmo, virou escombros. A gleba, com 155 mil hectares, está reservada para aldeamento dos índios xavantes. Virou terra indígena Marãiwatsédé nos municípios de Alto Boa Vista, São Félix do Araguaia e Bom Jesus do Araguaia, no Vale do Araguaia. Eduardo Gomes – Boamidia  –  FOTOS: Boamidia

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