Opinião

Inelegível enquanto dure

No Brasil, presidentes condenados são perdoados de acordo com a conveniência da vez

Por Mary Zaidan

Tchau, querido! Imbroxável, imorrível, inelegível! Essas e outras frases, memes e brindes ocuparam as redes e os bares em comemoração à punição de Jair Bolsonaro, proibido pelo TSE de disputar eleições até 2030. Festa legítima de quem aturou o ex por quatro anos, ou melhor, quase 30 anos. Mas como no Brasil dois mais dois nem sempre somam quatro, é preciso incluir na conta a conveniência da vez. Pelo menos é o que dita a história recente de presidentes e ex-presidentes condenados – todos perdoados.

Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pós-ditadura, durou pouco. Tomou posse em 1990 e renunciou em 1992 minutos antes de o Senado cassar o seu mandato. Tentou sem sucesso evitar a inelegibilidade por 8 anos. A Justiça considerou que ele deixou a Presidência antes da votação do impeachment para não perder os direitos políticos, punição constitucional associada à supressão do mandato. Passados 26 anos, Dilma Rousseff, cassada pelo Senado, foi perdoada da inabilitação política com o aval do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo e das sessões do impeachment.

As acusações contra Collor envolviam contas no exterior – a famosa Operação Uruguai -, tretas com caixa dois, desvios de dinheiro público. Na esfera criminal, tudo andou a passos de tartaruga. Em 1994, o STF arquivou um dos vários processos contra ele, mas o ex continuou inelegível. Foi gastar sua grana em Miami, onde ficou até 1998, quando tentou disputar a Prefeitura de São Paulo, embora ainda inelegível. De volta a Alagoas, elegeu-se senador em 2006 e 2014. Só agora, em 2023, foi condenado por crimes conhecidos há anos. Réu da Lava-Jato, foi sentenciado a 8 anos e 10 meses em regime fechado. Continua solto.

Dilma perdeu o mandato em agosto de 2016 por 61 a 20 votos dos senadores. Para ela – e só para ela -, abriu-se uma estranha interpretação constitucional pela qual os direitos políticos poderiam ser apreciados em separado, contrariando o artigo 52 da Carta. Com isso, a presidente cassada foi autorizada por 42 votos a 36 a continuar gozando do direito de votar e ser votada. Na eleição seguinte, candidatou-se ao Senado por Minas Gerais, sendo fragorosamente derrotada.

Em 2017, o sucessor Michel Temer se livrou de perder o mandato por um tecnicismo processual. Por 4 votos a 3, o TSE entendeu que a chapa Dilma-Temer não poderia ser condenada por abuso de poder político e econômico, não por ausência de provas, mas porque parte delas foi juntada ao processo no curso do julgamento. Essa, aliás, é a jurisprudência a qual a defesa de Bolsonaro se apega, embora sejam casos absolutamente diferentes.

No processo Dilma-Temer as novas provas eram parte central da ação, enquanto no de Bolsonaro o documento golpista encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi adicionado como complemento à ação. De qualquer forma, nada disso tem importância visto que em 2019 o TSE derrubou a jurisprudência que havia sustentado a não condenação de Dilma-Temer.

Com Luiz Inácio Lula da Silva os caminhos entre condenação, prisão, soltura e anulação de processos parecem ficção. Preso em abril de 2018 por determinação do então juiz Sérgio Moro, Lula teve seus oito anos de pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá ampliados para 12 anos na segunda instância (TRF da 4ª Região). Em abril do ano seguinte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), portanto, uma terceira instância, reduziu a pena para 8 anos e 10 meses. Pelo sítio de Atibaia, somaram-se outros 12 anos e 11 meses, também em duas instâncias.

Passados 580 dias, Lula foi solto por uma mudança de entendimento da Suprema Corte quanto à prisão após condenação na segunda instância. Por 6 x 5, alterou-se o que o mesmo STF decidira em 2016, três anos antes.

Os lances seguintes envolvem peculiaridades jurídicas, prazos e foro. A narrativa de Lula de absolvição em todos os processos da Lava-Jato está longe da verdade. No caso do triplex, o STF apontou suspeição de Moro e anulou o processo. No do sítio e também em duas ações contra o Instituto Lula, a Corte entendeu que as ações deveriam ter sido originalmente alocadas no Distrito Federal e não em Curitiba. No DF – para alegria da defesa e do réu – considerou-se que os processos estavam prescritos. Ainda que possa existir alguma lógica jurídica, estranha-se o entendimento tardio.

Por outras e essas, talvez seja precipitado ter como certo Bolsonaro fora do jogo e eleger desde já possíveis candidatos para o seu lugar.

Poucos minutos depois de o ex-presidente ser declarado inelegível, uma proposta de anistia para crimes de natureza política e eleitoral praticados no pleito de 2022 chegava à mesa da Câmara. Da lavra do deputado Adilson Barreto (PL-SP), a acintosa iniciativa dificilmente terá êxito. Mas quem hoje arrisca a dizer – só de pensar dá arrepios – como estará a correlação de forças do Judiciário nos próximos anos? Dos 11 juízes de agora, oito têm mandatos até 2030, a maioria além disso. Mas as tramas ungidas no Parlamento podem mudar a vitaliciedade. Ou, sabe-se lá, posições supremas são revistas. Como demonstrado, não seria a primeira vez. Dá aflição – e medo.

Mary Zaidan é jornalista

 

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