Opinião

Diplomacia não se faz com o fígado

A visita de Diana Mondino mostra a importância estratégica do Brasil para o próximo governo

Por Hubert Alquéres

Se a relação entre países também se faz por meio de gestos, a surpreendente visita ao Brasil da futura ministra do exterior da Argentina, Diana Mondino, tem uma enorme simbologia. A ministra fez questão de ser a portadora da carta convite para que Lula esteja presente na posse do presidente Javier Milei, recém eleito no país vizinho. A visita dissipa nuvens responsáveis por leituras catastrofistas sobre as futuras relações entre o Brasil e o próximo governo argentino.

Representa uma mudança da água para o vinho na atitude adotada pelo candidato eleito e a do presidente que tomará posse em 10 de dezembro. Como afirmou o chanceler Mauro Vieira, “o que foi dito em campanha é uma coisa, o que acontece durante o governo é outra”. Assim, é do interesse do Brasil não ficar prisioneiro do que disse o candidato Milei, mas manter relações pragmáticas com nosso parceiro estratégico, com os quais temos fortes laços geográficos, históricos, comerciais e políticos.

A visita de Diana Mondino aconteceu uma semana depois da vitória de Milei, o que dá bem a dimensão do quanto o próximo governo percebe a importância do Brasil como parceiro estratégico da Argentina. Divergências ideológicas entre os presidentes dos dois países não podem servir de obstáculos para uma relação madura e responsável.

A bola agora está com o Brasil, mais particularmente com Lula. O princípio da reciprocidade é um valor fundamental da doutrina diplomática brasileira, construída pelo Itamaraty ao longo do tempo. A conferir se nosso presidente retribuirá o gesto do novo governo argentino, aceitando o convite para estar na posse do colega. Ou se dará ouvidos a assessores presos a mediocridades que recomendam não ir à posse por causa das palavras duras do então candidato dirigidas a Lula. O presidente brasileiro ficou abespinhado porque, antes dele, Milei já havia convidado Jair Bolsonaro para a posse, mas nem isso deveria servir de desculpa para Lula recusar sua presença em Buenos Aires.

Não se faz diplomacia com o fígado. Faz-se com sangue frio, muito profissionalismo e competência. E sem ruídos.

A própria visita da ministra Diana Mondino foi arquitetada sem muito espalhafato, graças ao entendimento dos embaixadores do Brasil e da Argentina e do nosso chanceler. O encontro foi além das expectativas, com Mondino sinalizando que seu país apoia a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, como é do desejo do Brasil. Eis aí uma atitude concreta à qual o governo brasileiro deve valorizar e levar em consideração para Lula se fazer presente na posse do novo mandatário argentino. Sem dúvidas, isto contribuiria em muito para o distensionamento entre os governos das duas nações.

A China nos dá um bom exemplo de como se deve atuar para distensionar a relação entre dois países. Durante a campanha eleitoral, Javier Milei falou cobras e lagartos do regime chinês, a quem chamou de assassino, com quem prometeu romper relações caso eleito.

Pois bem, o presidente chinês, Xi Jinping, tomou a iniciativa de enviar uma carta ao presidente eleito da Argentina, parabenizando-o pela vitória e manifestando o desejo de seu país de manter sua relação estratégia com a Argentina, da qual é o principal parceiro comercial. A carta de Jinping levou Milei a mudar o tom em relação a China e convidar seu presidente para a solenidade de sua posse.

E não poderia ser diferente. Graças aos chineses, o Banco Central argentino tem recorrido a operações de swap cambiais, transferindo valores diretamente para o Fundo Monetário Internacional, com quem a Argentina tem uma dívida astronômica. Milei está mudando sua postura em relação aos chineses porque isso é do interesse econômico do seu país. E é assim que tem de ser. Países se movem por seus interesses estratégicos e não por ideologia.

O mesmo pode se dizer do Brasil. A Argentina é estratégica para nós e nós somos estratégicos para os argentinos. Seu mercado é o principal destino de nossas exportações industriais. Não precisamos chegar ao hiperbolismo da famosa frase do então presidente argentino Sáenz Peña de que “tudo nos une, nada nos separa”. Mas temos muitos interesses em comum. E soubemos superar pela via diplomática conflitos muito mais substantivos do que as farpas do então candidato argentino.

Devemos estar atentos aos rumos do próximo governo argentino e não comprar por valor da face afirmações feitas durante a campanha. Tanto em relação à política externa, como na política doméstica, especialmente na economia. Os primeiros sinais são de uma influência positiva de um polo moderado, do qual a ex-candidata Patrícia Bullirich e o ex-presidente Maurício Macri são suas maiores expressões. Ideias expressadas na campanha, como a dolarização da economia e a extinção do Banco Central, tendem a ser arquivadas, como adiantou o futuro ministro da Economia, Luiz Caputo, ex-ministro do governo Macri.

A visita de Diana Mondino ao Brasil está em sintonia com tal movimentação. É de nosso interesse o fortalecimento dessa tendência, razão pela qual deveríamos estimulá-la. Isso se fará se Lula responder positivamente ao convite de Javier Milei e se deixarmos a política diplomática a cabo do Itamaraty, um centro de excelência que atuou para desarmar os espíritos e criar um ambiente de normalidade nas relações Brasil-Argentina.

A política externa brasileira não pode ser ditada por ressentimentos ou birras. Não há espaço para mimimi do tipo exigir de Milei um pedido de desculpas a Lula. Isso é coisa de amador disposto a fazer diplomacia destilando bílis.

 

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

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