Opinião

Audiência em baixa, riscos em alta

Não dar bola para Bolsonaro é salutar, mas corre-se perigo ao deixar o monstro à solta

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Nem o ar de profeta (de araque) – “nos próximos dias, vai acontecer algo que vai salvar o Brasil” –, ensaiado para os cativos do cercadinho do Alvorada, nem a mais recente bateria de “denúncias” de que o Exército teria encontrado “dezenas de vulnerabilidades” nas urnas eletrônicas funcionaram. Ambos os movimentos do presidente Jair Bolsonaro tiveram repercussão baixíssima. Por um lado, é salutar que não se faça grande eco às suas sandices. Por outro, é um perigo. Deixa-se o monstro à solta para continuar a mentir, difamar as instituições e minar a democracia. Metodicamente.

Bolsonaro chefia um desgoverno, não tem qualquer aptidão para o cargo que ocupa ou noção do significado da Presidência. Mas nada tem de tolo. Dedica tempo quase integral à proteção de si e de sua prole, o que remete à obrigatoriedade de ter mandato para assegurar foro privilegiado. E tem usado todas as ferramentas para tal: do Estado, do qual se sente dono, das redes sociais e da deep web.

Não deve se reeleger, mas os estragos feitos ou em curso serão dificílimos de corrigir. Em todos os planos: econômico, social, ambiental. Na pauta de costumes, na civilidade, no pacto institucional. A lista de destruição é infinda.

Na economia o país regride a olhos nus, com desindustrialização, tecnologia ultrapassada, baixa competitividade, juros e inflação em alta. Para os mais pobres, demoliram-se redes de sustentação social complexas em nome de um auxílio direto mais robusto, que é comido pelas dívidas das famílias e pela inflação. Tem-se a ampliação da miséria e da fome. Educação e ciência são vítimas de desmontes e cortes sucessivos, a cultura é jogada às traças. Recordes de desmatamentos, queimadas, mineração e garimpo ilegais, afrouxamento de fiscalização e, nesta semana, sob o generoso patrocínio da Câmara dos Deputados, mais liberalidade para venenos agrícolas.

Mais armas e mais violência.

Mas é na retrógrada agenda de costumes e na visão torta e muito particular que tem das instituições, da liberdade e da democracia que estão as maiores apostas do presidente. Não à toa, insiste em um novo projeto de liberação de armamentos, mesmo sabendo que não é possível votá-lo neste ano, em temas como família tradicional e escola domiciliar e, fundamentalmente, na falsa falta de legitimidade das urnas que possivelmente vão derrotá-lo.

Bolsonaro quer fixar sua persona, tornando-a capaz de sobreviver depois de um provável fracasso eleitoral.

O exemplo continua sendo Donald Trump. Mesmo longe da Casa Branca, Trump se mantém como a principal força conservadora do país. A ponto de deixar de cócoras o Partido Republicano, que, para agradar o ex, considerou a invasão do Capitólio um “discurso político legítimo”.

É tudo que o “mito” adoraria ver por aqui. Um caminho que ele vem traçando – metodicamente.

Ao voltar a carga contra as urnas eletrônicas, no cercadinho, na live de quinta-feira e no sábado, em entrevista ao ex-governador Anthony Garotinho, na rádio Tupi de Campos dos Goytacazes, Bolsonaro tratou de enfiar as Forças Armadas no bolo, como se delas partisse qualquer desconfiança. Ainda que o TSE tenha reagido rapidamente, afirmando que os militares convidados para acompanhar o processo pré-eleitoral só tinham feito questões técnicas, sem expor dúvidas quanto à confiabilidade do sistema, Bolsonaro ressuscitou pulgas e soltou-as nas orelhas de seus seguidores.

Mais: incluiu, na orquestração da turba, o ministro da Defesa, general Braga Netto, cotadíssimo para vice em sua chapa. Para muitos extremistas, reacenderam-se as chamas do golpe frustrado de 7 de setembro. E eles estariam novamente prontos.

Fora das redes bolsonaristas, ninguém deu muita bola. Mas o movimento nelas para desacreditar o resultado das urnas continua intenso. Estudo da FGV sobre desinformações nas eleições, publicado na Folha de S.Paulo de sábado (12/2), aponta que, nos últimos 15 meses, foram feitas mais de 390 mil postagens no Facebook sobre alegadas fraudes eleitorais. Ou seja, atiçar essa turma é fácil, basta um clique. Quanto mais para quem tem uma milícia digital à mão.

Mary Zaidan é jornalista

 

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