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Atenção direita dita civilizada: Lula vai precisar do seu socorro

Sem remoer o golpe de 64, que completa 60 anos em 31 de março

Por Ricado Noblat

E aí, turma que reclama da indisposição de Lula para fazer um governo de centro, só um pouquinho à esquerda, e que não provoque conflitos com a extrema direita? Um governo que acabe com a polarização do país. Não é isso que a turma da direita dita civilizada reclama, dia sim e o outro também?

Pois chegou a hora de defender Lula das críticas que começou a receber devido a mais uma declaração polêmica que fez. Perguntado sobre a ditadura militar de 64, que no próximo dia 31 de março completará 60 anos, ele respondeu, como sempre de maneira copiosa, encantado com a própria voz:

“Sinceramente, vou tratar da forma mais tranquila possível. Estou mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro de 2023 do que com 64. […] Isso já faz parte da história. Já causou o sofrimento que causou. O povo conquistou o direito de democratizar este país. Os generais de hoje eram crianças naquele tempo”.

“O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente não tem todas as informações porque tem gente desaparecida ainda. Mas não vou ficar remoendo, vou tentar tocar este país para frente”.

Levante o dedo quem se chocou ouvindo isso? Os militares adoraram. É mais uma garantia de que Lula jamais lhes criará problemas, como não criou nos seus governos anteriores. Embora tenham votado para eleger e reeleger Bolsonaro, os militares admitem que Lula é um bom camarada.

No Lula 1, o então ministro da Defesa, o embaixador José Viegas, quis demitir o comandante do Exército, que desobedeceu à ordem de não exaltar mais um aniversário do golpe. Lula não deixou, e Viegas pediu demissão. Ministro da Defesa do Brasil é de fato ministro da Defesa dos Militares.

Foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que criou o Ministério da Defesa e pôs ali um civil. Os militares engoliram a seco. Cardoso diminuiu os gastos com as Forças Armadas quando o governo já não tinha dinheiro para tanto. É, por isso, o ex-presidente mais detestado pela farda.

O segundo mais detestado é Fernando Collor, que nunca deu muita bola para ela e extinguiu o Serviço Nacional de Informações, o célebre SNI de péssima memória. Do SNI, dissera o general Golbery do Couto e Silva, que o concebeu: “Criei um monstro”.

O terceiro ex-presidente mais detestado pelos militares é Dilma, que instalou a Comissão Nacional da Verdade. Caberia à Comissão produzir uma narrativa oficial acerca dos abusos do Estado durante a ditadura, desenterrando documentos que revelassem o que não se sabia. Deu em pouca coisa.

Quando Lula diz que está mais preocupado com o golpe de 8 de janeiro e não quer remoer o de 31 de março de 1964, que “faz parte da história”, é porque sabe que mexer com esse reavivará a discussão sobre a Lei da Anistia sancionada pelo presidente João Figueiredo em 28 de agosto de 1979.

À época, a ditadura agonizava. Levaria mais cinco anos para morrer de morte negociada com a oposição ao regime. A anistia que permitiu a volta dos exilados foi a mesma que livrou de qualquer culpa os militares que torturaram e mataram. A anistia no Brasil é usada para perdoar militares.

Ressalte-se: militares de alta patente. Em 1999, 800 militares que se julgavam prejudicados por atos de governos do regime militar reivindicavam na Justiça a inclusão de seus nomes na relação de anistiados. Eram soldados, marinheiros, cabos e soldados que resistiram ao golpe de 64. Deu em nada.

Depois de tomar posse em janeiro de 2018, Bolsonaro transferiu a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, criada por Fernando Henrique Cardoso, para o novo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado pela pastora evangélica Damares Alves.

Em 2019, a ministra cancelou a construção do Memorial da Anistia, em Belo Horizonte. Em 2020, anulou o benefício concedido pelo Estado a 300 pessoas vítimas da ditadura, alegando “ausência de comprovação da existência de perseguição exclusivamente política no ato concessivo”.

Lula prometeu recriar a Comissão Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta por Bolsonaro no fim do seu governo, mas a ideia foi engavetada. Mais de 150 entidades que integram a Coalizão Brasil por Memória, Verdade e Justiça repudiaram a fala de Lula sobre a ditadura.

Ricardo Noblat é jornalista

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