Variedades

A MULHER QUE MORREU, RESSUSCITOU E TEVE 22 FILHOS

Em 13 de maio de 1998 eu estava na sede do Conselho Tutelar de Vilhena atrás de alguma informação. Deparei-me com uma mulher que falava o tempo que precisava de ajuda, que era mãe de 22 filhos.

Sinceramente, a princípio pensei tratar-se de pessoa com transtorno mental. Mas parei para ouvi-la, com a finalidade de — em sendo verdade — eu pudesse escrever sobre o assunto para o jornal “Folha do Sul”.

Maria Isabel, de fato, tinha toda aquela filharada e somente 32 anos de idade. Como se não bastasse, ela chegou a ser dada como morta e “ressuscitou”.

Moradora num ranchinho na periferia de Vilhena, junto com seu marido Dominador (sim, esse era seu nome de batismo), Isabel concedeu-me uma entrevista.

A senhora é de onde?

MARIA ISABEL — Eu sou da Bahia. Eu morava em Nazaré das Farinhas [pequeno e muito antigo município do Recôncavo Baiano, fundado em 1572]. Fui morar no Paraná, aí com 12 anos o Dominador me roubou lá no Paraná. Ele me tirou de casa. Aí sou a esposa dele. Isso foi em 1979. Aí fomos pra minha cidade natal, depois pro Mato Grosso. Depois chegamos aqui em Rondônia. Nós nunca paramos.

Qual é o nome do seu esposo?

MARIA ISABEL — É conforme eu disse. É Dominador. O nome dele no registro é Dominador Paulo da Silva. Quando ele me roubou eu morava no estado do Paraná, eu tinha 12 pra 13 anos e ele 37 anos. Até hoje vivemos juntos. Ele é índio lá do Mato Grosso [da tribo Bakairi]. Mas eu não sou índia, sou baiana preta. Morei em aldeia de índio, com ele. Pouco tempo.

A senhora teve o primeiro filho quando?

MARIA ISABEL— Antes dos 13 anos. É o que agora vai fazer 20. Eu era normal, mas aí começou a vir… nascer gêmeos, trigêmeos, montoeira de filhos de uma vez.

Me conte melhor. Quantas vezes a senhora teve gêmeos?

MARIA ISABEL — Duas vezes de quatro [quadrigêmeos], três vezes gêmeos, tenho trigêmeos e estou esperando trigêmeos. Eu tenho 19 filhos, mas logo vêm mais três. E [teve gravidez] de um só também. Meus mais novos são trigêmeos, eles têm sete meses, e estou esperando de novo trigêmeos, estou grávida de cinco meses.

Todos os filhos a senhora teve com único pai?

MARIA ISABEL — Se o Dominador é o pai de todos? Claro que ele é o pai, eu não andei nunca com outros homens, eu não sou mulher à tôa. Não. É o Dominador. Conforme eu tô falando, estou com ele desde que eu tinha 12 anos. Antes não tive homem.

E a diferença de idade entre vocês?

MARIA ISABEL — Nunca fez falta. Diferença nenhuma. Ele é… é (…). (Risos). Ele faz (…), faz sexo oito vezes, em media, toda noite. Todo dia. Oito vezes. Tem 57 anos, mas tem muito (…). É meu marido, então tem direito. A Bíblia também diz que a mulher tem que seguir o marido, o pensamento.

Vivem do quê?

MARIA — Ele ajuda a fazer casas, servente, trabalha na roça, agora fizemos uma casa num terreno dado. Casa de madeira. Dominador fez. Mas ele mexe com bar. Vai montar um bar aqui. Também recebemos ajudas. Nos dão leite, alguns alimentos, remédios… Esses dias passou um parque de diversões aqui, arrecadou roupas para as crianças [algumas delas estavam vestidas com roupas de personagens infantis que eram do parque]. A Igreja também ajuda. Nós morávamos em Cacoal (RO), antes de vir pra cá. Faz poucos dias que estamos aqui, porque apareceu o terreno.

A senhora é de que Igreja?

MARIA ISABEL — Assembleia. Foi lá que eu ressuscitei. Eu já morri, sabe? Mas aí vivi de novo.

Ressuscitou quer dizer converteu-se?

MARIA ISABEL — Não. Morri mesmo. Na verdade, nunca morri. Não sinto isso que morri. Mas pros médicos eu estava morta. Morri de por no caixão e de ter atestado [de óbito]. Na época era comum tirarem retratos de gente morta pra guardarem de recordação. Olha eu aqui morta [me mostra a foto].

Eu não estou entendendo. A senhora foi dada como morta, mas estava viva. É isso? Me conte como foi.

MARIA ISABEL — Eu morava na Bahia, foi em 1983. Eu já tinha três filhos e 17 pra 18 anos. Um dia eu passei mal, me levaram para internar. E eu morri do coração no Hospital Público de Nazaré das Farinhas. Teve velório normal. Não vi nada. Estava ali morta, para eles eu estava morta, mas estava viva; durante o velório eles me puseram o caixão em pé, tiraram foto, pegaram documento no cartório [atestado de óbito]. Morri. Mas estava viva. Levaram eu pra carneira. Deixaram lá. Aí apareceram duas mulheres, viram que a carneira era recente. Começaram a orar. Elas eram da Assembleia. Eu comecei a gritar e me mexer pra me ajudarem. O coveiro me tirou de lá viva. Ai me levaram para a igreja, ainda dentro do caixão. Eu estava morta e ressuscitei. Levantei lá no meio da igreja, de dentro do caixão.

Que história! Mas a senhora tem provas que isso aconteceu?

Sim. [O marido mostra fotos]. Eu não vou mentir. Mentir é pecado. Não vou mentir ainda mais envolvendo Deus. Eu morri. Pode acreditar.

A senhora ficou quantas horas dada como morta e qual foi a sensação de tudo aquilo?

MARIA ISABEL — Da minha morte até o enterro foi um bom tempo, quase dois dias. Fiquei sepultada um dia. Eu lembro de quando estive no caixão. Eu fui parar no céu, conversei com Jesus pessoalmente. Eu cheguei a uma cidade estranha, muito iluminada e encontrei um velho e um garoto. Me disseram que eram Deus e Jesus Cristo. E tive uma briga com eles. Foi assim: assim que fechei os olhos e disseram que morri, já fiz uma viagem por um lugar todo branco, parecia neblina e neve, pelo caminho até a cidade iluminada; só não fazia frio. E cheguei às presenças de Jesus e de Deus, Deus que é diferente e mais velho do que aquele que aparece nas figuras. Eles me disseram quem eram; que [aquele] era o lugar que a gente chama de céu, mas ele [Deus] falou lar. Era o meu novo lar. Eu não aceitei de jeito nenhum. Xinguei ele, falei que eu tinha responsabilidades na terra, marido e filhos. Que era pra ele dar um jeito de eu voltar e que eu não acreditava naquilo e nem nele, que aquilo era só um sonho esquisito.

Aí a senhora acordou no cemitério?

MARIA ISABEL — Não. Ele [Deus] ainda discutiu comigo, ficou bravo. Me explicou que eu não estava preparada para estar no lar. Que tinha que sofrer muito ainda. Disse que eu voltaria à Terra e que teria muitos filhos, que não deveria previnir para não ter filhos, não operar e não abortar. Que cumprisse o meu destino. Eu disse a ele que estava bem. Aí atravessei um mundo montada num cavalo. Foram dias de viagem. Enfrentei dor, fome e medo. O cavalo me carregando. Eu fiquei morta só uns dois dias, mas era pouco tempo só aqui na Terra. Porque parecia que era muito tempo onde eu estava. Aí quando passou tudo aquilo, a dor, o medo, eu acordei dentro do caixão. Foi assim. Aconteceu assim.

Depois disso começaram a nascer os filhos?

MARIA ISABEL — Foi por castigo. Começaram a vir de montoeiras. É um negócio sem explicação.

A senhora se arrependeu de ter duvidado de Jesus. Não era melhor ter ficado lá?

MARIA ISABEL — Pra mim, era. Mas o meu destino… Meu destino era ter os filhos e conhecer mais da vida e de Deus antes de ir para o céu. Pro lar, né? Ainda vou ver Jesus de novo. Agora não vou mais discutir com ele e nem com Deus. Vou aceitar.

NOTA — Infelizmente, eu não soube mais de Maria Isabel e de seu destino. O casal era um tanto nômade, tendo citado várias cidades e estados brasileiros em que teriam morado antes de chegarem a Vilhena.

Na época, o Conselho Tutelar confirmou a história do número de filhos; o órgão dava acompanhamento à família.

Sua história parece fantasiosa, um pesadelo, algo assim. Mas quem a questionará? O que ela acreditou foi tão forte e coerente! Eu não ousadia. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia” (W. Shakespeare).

Texto: Julio Olivar

Esta reportagem foi publicada em 13 de maio de 1998, na capa do jornal Folha do Sul, de Vilhena RO.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *