Opinião

A descoberta do Essequibo

Basta multiplicar 10 bilhões de barris de petróleo por cem dólares para calcular o valor exato do problema do Nicolas Maduro

Por André Gustavo Stumpf

 

O histriônico, palavroso e pretensioso Nicolas Maduro não tem a menor ideia das consequências de suas bravatas a respeito da anexação de parte da Guiana, ex-inglesa, do território chamado de Essequibo, por causa do rio do mesmo nome que corta o território de norte a sul. É um inconsequente. A empresa Exxon, norte-americana, descobriu formidável lençol petrolífero nas águas contíguas àquele território, um reservatório com cerca de dez bilhões de barris. Basta multiplicar aquele número por cem dólares (preço médio do barril de petróleo) para calcular o valor exato do problema em que o presidente da Venezuela se envolveu.

A região do Essequibo está em paz nos últimos séculos desde que a Venezuela se declarou independente da Espanha em 1810. Em 1814, os ingleses tomaram posse da área e riscaram as linhas de demarcação. Em 1840 um alemão traçou a linha de fronteira que recebeu a aprovação dos dois lados. A chamada linha Shomburgk traça a divisa entre um e outro país logo abaixo da foz do rio Orenoco. A descoberta de petróleo, diamante e ouro mudou as perspectivas da Venezuela, na região do lago de Maracaibo, no início do século passado. Agora, mexe com o futuro do pobre e esquecido Essequibo.

Nos anos vinte, no século passado, um prisioneiro na Ilha do Diabo, Guiana Francesa, chamado René Belbenoit tentou a sorte. Construiu uma jangada feita de cocos secos, jogou na água e fugiu da prisão navegando sobre ela em direção a qualquer lugar que significasse liberdade. Chegou à foz do rio Orenoco. Procurou um lugar habitável. Tinha habilidades, ganhou dinheiro com garimpo de ouro e diamantes e se instalou numa vila no rio Maú. Ali criou família e teve grande influência na região, que hoje se chama Normandia, em homenagem a terra natal do francês, Papillon, que se tornou famoso por causa do filme estrelado por Steve McQueen. Normandia fica próximo a Bonfim, onde Brasil faz fronteira com a Guiana.

Há uma estrada que liga Bonfim a Georgetown, capital da Guiana que se debruça sobre o oceano Atlântico. São 679 quilômetros de estrada de terra, cheia de buracos, mas com linha regular de ônibus. Um terço do trajeto é asfaltado. Bethlem é uma versão menor de Cidade de Leste, no Paraguai, ocupada por comerciantes de diversas nacionalidades, maioria chineses, que vendem produtos sem impostos. Há razoável procura por produtos estrangeiros nos dois lados da fronteira, por ser mais perto de Boa Vista a maioria dos clientes é de brasileiros.

Boa Vista fica mais perto de Georgetown que de Manaus (780 quilômetros). Cidade que é um porto no oceano Atlântico, enquanto Manaus é um porto no Rio Amazonas, o que indica a necessidade de navegar mais cinco dias até alcançar o oceano. Essa escaramuça na fronteira norte do Brasil é a oportunidade para abrir os olhos do governo de Brasília para a enorme oportunidade comercial e industrial que se abre na fronteira norte em Roraima. A estrada de Georgetown a Boa Vista pode ser o caminho para importar petróleo, exportar bens e serviços para um país que não possui praticamente nada em termos de comércio exterior. Faltam conhecimentos específicos em todas as áreas modernas de infraestrutura, desde o comercio eletrônico até as noções básicas de informática. O Brasil pode exportar tudo o que o vizinho necessita e tem meios para pagar. Aliás, no ano passado o produto interno bruto da Guiana cresceu 62%. Neste ano deverá crescer 37%. O do Brasil, com muito esforço, aumentará 3%.

A Guiana é antiga colônia britânica e faz parte da Commonwealth. Os ingleses não esquecem dos seus. Brigar com a Guiana é desafiar Londres e, por tabela, colocar os norte-americanos na contenda, não apenas pelo petróleo, mas também pela tradição de estarem sempre juntos, desde a Segunda Guerra Mundial. Os argentinos no episódio das Malvinas, ou Falklands, acharam que teriam a simpatia de Washington. Ganharam uma chuva de bombas e foram humilhados. O general Leopoldo Galtieri, que estava no poder, acabou na prisão. Os militares argentinos foram duramente penalizados.

Maduro pode estar maduro para sair do poder. Ele está longe de ser o astucioso político como foi seu antecessor, Chavez. É um condutor de metrô que, por razões políticas locais, chegou ao poder. Apoiado por militares que se locupletam com a renda do tráfico de drogas, armas, ouro e diversos minérios, ele conseguiu montar um governo estável. Aniquilou a oposição. Desenvolveu o clássico golpe de um ditador em apuros. Descobriu um inimigo externo. Conseguiu unir o país em torno de uma ideia, que pode ajudar na sua reeleição no próximo ano. Mas, essa mesma unanimidade pode se virar contra ele. Foi o que aconteceu na Argentina em 1982.

André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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