Opinião

Nunca se falou tanto em democracia no Brasil, mas falar só não basta

O golpismo segue vivo e ameaçador

Por Ricardo Noblat

“O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato [a presidente], se for candidato não deve ser eleito, se for eleito, não deve tomar posse, se tomar posse não pode governar” – disse o jornalista Carlos Lacerda, golpista raiz, no seu jornal “Tribuna da Imprensa”, do Rio, lá se vão 74 anos.

Vargas governou o país como ditador entre 1930 e 1945, quando foi derrubado pelos militares que o apoiavam. Em 1950, elegeu-se presidente pelo voto popular. Tomou posse. E governou até 1954. Suicidou-se no dia 24 de agosto, véspera do Dia do Soldado, para não ser derrubado outra vez.

Lacerda foi deputado federal e depois governador da Guanabara. Apoiou o golpe militar de 1964 sonhando em ser candidato a presidente no ano seguinte. Como não houve eleição, rompeu com os militares. Foi cassado e preso em 1968. Morreu em 1987, dois anos após o fim da ditadura

Muitos disseram que Lula não deveria ser candidato, se fosse que não deveria ser eleito, se fosse eleito, que não deveria tomar posse, e se tomasse não poderia governar. O Congresso é o pior da história e o mais poderoso graças à fraqueza de Dilma, Temer e Bolsonaro. Lula governa com dificuldades.

Isso não quer dizer que cessou a resistência a que ele governe quatro anos, direito que adquiriu ao derrotar seus adversários nas eleições passadas. O golpe bolsonarista de dezembro de 2022 fracassou, e o de 8 de janeiro de 2023, também. Mas o espírito golpista de boa parte dos brasileiros está vivo.

Uma coisa é opor-se a um governante eleito. Todos temos esse direito. A alternância no poder é um dos marcos da democracia. Outra coisa é o golpismo, que tem como objetivo substituir a democracia por um regime autoritário. A ditadura de 64 durou 21 anos com as consequências que ainda vemos.

Nunca se falou tanto em democracia como se fala hoje. Bolsonaro fala como se não tivesse tentado suprimi-la. Falar, porém, não basta. É preciso ampliar as fileiras dos que a defendem de verdade e punir com rapidez os que a ameaçam. Sem hesitação. Sem clemência. Sem anistia.

Ricardo Boblat é jornalista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *