Opinião

Javier Milei, o presidente argentino, vai pelo caminho de Bolsonaro

Destruir tudo para depois reconstruir

Bolsonaro assumiu a Presidência da República com uma ideia fixa: destruir tudo para depois reconstruir. Foi em 13 de março de 2019 que pela primeira vez ele falou a respeito durante jantar com líderes da direita americana na embaixada do Brasil em Washington:

“É preciso destruir o “sistema” para reconstruir. O Brasil caminhava para o socialismo, o comunismo, mas o processo foi interrompido com minha vitória eleitoral, um milagre”.

Um ano depois, ao jantar em Miami com seu guru, o astrólogo e autoproclamado filósofo Olavo Carvalho, Bolsonaro retomou a mesma ideia:

“O Brasil não é um terreno aberto onde pretendemos construir coisas para o nosso povo. Temos que desconstruir, desfazer muita coisa para depois começar a fazer”.

Palavra seguida à risca. Bolsonaro associou-se à Covid-19 para matar os “que tivessem de morrer”; destruiu a Educação e o setor cultural; deixou correr solto o desmatamento da Amazônia; interveio na Polícia Federal; e só não demoliu a democracia porque foi impedido.

Deu no que deu. Entrou para a história como o único presidente, candidato à reeleição, que acabou derrotado. Foi condenado por abuso de poder político e econômico, tornando-se inelegível por oito anos. É acusado de roubar joias do Estado e arrisca-se a ser preso.

No que vai dar ultradireitista Javier Milei, El loco, que se elegeu presidente da Argentina e diz ter como um dos seus conselheiros o cachorro que amava e já morreu? Milei não diz com todas as letras como Bolsonaro dizia que pretende destruir o sistema para construir outro.

Mas esse é seu desejo, falam seus atos. Em uma lei abrangente de 664 artigos enviada ao Congresso , Milei exige que deputados e senadores lhe repassem o poder de mudar as leis com um toque de caneta e até modificar o sistema eleitoral argentino. A desculpa é a crise econômica.

A tendência autoritária de Milei depara-se, porém, com um obstáculo: os partidos políticos da oposição, que controlam o Congresso, não estão dispostos a ceder-lhe tal soma de poder. Nem todos são contra as mudanças propostas por Milei, mas contra a forma que viola a Constituição.

Milei tem os políticos contra as cordas: são a casta, ele afirma, e terão de decidir se estão “a favor da liberdade” ou de um “modelo empobrecedor” que tem o Estado como motor da economia e distribuidor da riqueza; um modelo que de fato levou a Argentina para o buraco.

Em menos de 20 dias, Milei assinou um decreto que modifica ou revoga sem discussão mais de 360 leis, baixou um protocolo de ação contra os protestos de rua, o mais duro desde o retorno do país à democracia em 1983, e não parou mais nem dá sinais de que irá recuar.

Enviou ao Congresso um projeto de lei intitulado “Bases e pontos de partida para a liberdade dos argentinos”. Entre seus principais pontos estão:

* o aumento de impostos sobre a classe média;

mudanças na composição da Câmara dos Deputados;

 

* tarifa zero para todas as importações;

* o fim da atualização automática das pensões e até um lucro extraordinário para as grandes cadeias de venda de medicamentos e livros.

É considerada “manifestação” qualquer reunião de mais de três pessoas nas ruas. O projeto inclui a declaração de “emergência pública” até ao último dia de 2025, prazo que pode ser prorrogado por decisão do Executivo até o final do mandato de Milei.

Lembra alguma coisa? Talvez o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, o Dia dos Cegos, quando a ditadura militar brasileira tirou a máscara e se assumiu como tal. Acontece que o partido de Milei, La Libertad Avanza, está em minoria na Câmara e no Senado. E aí?

A estratégia do governo é clara: todos os que se opõem às mudanças propostas por Milei estão contra os 55% dos argentinos que votaram “pela mudança”. Não está em pauta no momento a convocação de um plebiscito caso o Congresso anule parte da lei geral ou vete o decreto. Mas…

A Constituição prevê, sim, a realização de plebiscitos em casos excepcionais. Não será o caso se Milei simplesmente achar que é? Bolsonaro aspirava a ser ditador. Milei, que tanto o admira, talvez aspire também. A conferir mais adiante. Pelo jeito, não vai demorar.

Ricardo Noblat é jornalista

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