Opinião

O ribeirão Arareau chora (PARTE 1)

Endereço certo num passado recente como instrumento de lazer, entretenimento, pesca e usufruto da sua água límpida e inodora, em todas as formas, o ribeirão Arareau acompanhou o crescimento da nossa cidade de Rondonópolis, situada atualmente no sudeste mato-grossense. Podemos afirmar que nas beiradas desse curso d’água ocorreram reuniões, piqueniques, confraternizações, discursos, banhos, estripulias, mergulhos, saltos, nados, namoros e até as histórias das lavadeiras com suas trouxas de roupas que chegavam secas, depois de lavadas com a força das suas mãos, nos banquinhos de madeira ou nas pedras retiradas do leito, eram colocadas no coradouro, daí tinha-se um bom tempo para atualizar as novidades do lugar. Algumas fofocas nasceram ali e sentimos que o Arareau sente essa falta hoje.

Naquele tempo, podemos afirmar que a cultura e o esporte eram considerados como importantes momentos para a sociedade e notadamente temos pesquisado a respeito desse passado não tão longe, quando folheamos as páginas da história e descobrimos que haviam reisados, contadores de histórias, cinemas, violeiros e festivais culturais. Também tivemos acesso às fotografias do acervo do ícone fotográfico Matusalém Teixeira e da pioneira, dona Jupia Oliveira Mestre, quando os entrevistamos para uma coluna que mantivemos no melhor jornal da região, o A Tribuna por longos cinco anos.

Fotos de um casamento, com as pessoas desfilando nos areões da avenida Marechal Rondon, saindo da pequenina igreja matriz, com a banda do Maestro Marinho acompanhando o casal, padrinhos, convidados, todos a caminho do local dos comes e bebes, por si é um acervo sem igual para a nossa história. Só temos medo de perdermos essas imagens por qualquer advento natural ou não, antes que um visionário as eternizem de forma digital, porque não esperamos isso da iniciativa pública.

Quando comparamos a atual situação do nosso Arareau, natimorto, e as fotografias que citamos, não serem publicitadas até então, deixa claro que a nossa cultura está morrendo do mesmo sintoma, sem medicação e sem médico. Em situações de enchentes os ribeirinhos são retirados às pressas para escolas e até para a feira livre. São momentos que se fazem necessários uma limpeza do leito do rio, entulhado por diversos trastes, de forma natural, com o dom divino da chuva, e nalgumas vezes intervenções provocadas por instituições preocupadas com o meio ambiente. Quanto aos agentes culturais, nem a chuva ajuda a motivá-los. Estão há muito tempo sem interesse político de quaisquer ajuda.

Em visitas aos artistas de Rondonópolis e suas instituições temos recebidos reclamações e declarações informais de que a sua maioria está passando por dificuldades para continuar suas lides, uma vez que não recebem apoio do município e também não vislumbram mudança a médio prazo, e não é só por causa do momento pandêmico, já vinha de outrora, agora só se agravou.

A Academia Rondonopolitana de Letras – ARL tem feito ações para estimular o desenvolvimento da literatura, em suas múltiplas formas, como a produção intelectual dos seus acadêmicos. A presidente, Aparecida Carvalho da Silva – Cidinha Carvalho envida todos os esforços para o bom andamento da instituição. Registramos que há um contingente enorme de escritores esperando a oportunidade para publicar seus escritos, mas não se tem notícia de publicação de um edital municipal sobre o assunto. Há, sim, uma boa safra de novos escritores, e podemos anotar o belo trabalho do Édson Ceretta, com o livro “À sombra do 13”, e os primeiros livros de uma série do Dr. Enã Rezende, que publicou recentemente o livro “ExpressaMente”, do Dr. Magno Pereira com o livro “Propaganda eleitoral – O que você precisa saber”, e, o famoso jornalista Lucas Perrone, com o livro “Coisas que vi, vivi e ouvi’, todos já iniciaram a produção do próximo trabalho.

Os artistas plásticos, na sua maioria, mantêm-se com outras profissões paralelas e usam a arte para dar vazão aos seus sonhos, visto que também reclamam de apoios e até de consumidores locais e estaduais. Wander Melo, ainda vive da arte, e está exportando alguns belos trabalhos, no entanto sua arte é vendida ultimamente para outros países. Já o famoso Petterson Silva, é uma exceção boa, pois não dá conta da procura, até porque já alça voos internacionais com suas premiações. Também visualizamos o bom trabalho do artista Junio Silva, do Professor Senio Alves com suas ilustrações e iluminuras sem igual. Outros artistas, que também já são maiores que a nossa cidade e exportam seus trabalhos, são o Nilson Machado, o Valcides Arantes, a Marlene Trouva, o Márcio França, o Nildo Machado e o Denis Maris com seu trabalho de cromopetrologia. Um dia, lá no futuro, um historiador haverá de resgatar o Peixinho, Nalteir Marinho e tantos outros pioneiros dessa arte, quando não havia a impressão digital em lona para se fazer as novas fachadas do comércio, que chamávamos de vendas, botecos, armarinhos, armazéns.

Os músicos passam pelo mesmo problema. Têm seus contratos em casas noturnas, mas não recebem nenhum apoio cultural, como festival de música, participação em espetáculos e apresentações públicas e outros tantos meios de propagação da cultura, sem esquecer que eles são os que mais sofrem nesse momento da pandemia do coronavírus. Cleyton Fraummer, um excelente vocalista, é o maior exemplo, dedicando seu tempo, no momento, para outro trabalho, e ainda assim, buscando conscientizar a população para ajudar a classe, que foi a primeira a parar e deverá ser a última a voltar ao trabalho profissional. As lives, tão propagadas, já cansaram os internautas. Artistas do nível de Max Ferraz, Cuia, Cido Reis, Serginho Franco e tantos outros que tanto doaram para a nossa comunidade merecem mais respeito, reconhecimento e vão estar no registro da nossa história daqui a pouco, bem ali na frente, no futuro, por merecimento.

Os escultores rondonopolitanos, por sua vez são representados pelo Mando Nunes e Paulo Pires. Ambos têm trabalhos exposto no mundo, cada um ao seu estilo, mas com boas críticas. No entanto, no mesmo caminho do descaso público e da falta de incentivo, não se vê novidades nesse segmento, exceto suas próprias produções.

A fotografia, que registra de fato a nossa mais real história, também tem pouca novidade em relação a novos artistas, mas a profusão de imagens belíssimas feitas pelos magos da arte como Roberto Barcelos, Josué Pereira, Dnei Matos, Valter Arantes, Rivian Dias e outros mais, são a certeza que não passamos incólumes. Registramos aqui as evoluções nas performances do Wagner Montanari e Cesar Augusto, que são exemplos desse novo, mesmo que sejam poucos a sobressaírem.

Ao teatro, devemos e muito ao Sesc e aos artistas que fazem trabalhos esporádicos. Voltamos a morar em Rondonópolis em 2011, e o intervalo de seis anos fora da cidade natal, mas nove morando aqui, deu para sentir o ínfimo progresso cultural, feito pelas próprias mãos dos artistas, sem apoio nenhum dos organismos públicos. Afirmamos que os anais da história hão de informar esse vácuo de aporte cultural aos nossos descendentes, porque os ascendentes tinham essa dúvida, quando viam o Arareau definhar aos poucos, dia a dia, numa pobre comparação com a cultura. (continua amanhã)

Hermélio Silva

Formado em Marketing, escritor com 24 livros publicados. Membro fundador da Academia Rondonopolitana de Letras – ARL, cadeira nº 06. Membro do Comitê Nacional de Cerimonial Público – CNCP. Secretário de Comunicação da Câmara Municipal de Rondonópolis (2015 e 2016, 2018…).

 

 

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