Opinião

O tempo é senhor da razão

O longo, minucioso e corajoso voto do ministro Alexandre de Moraes

Por André Gustavo Stump

O longo, minucioso e corajoso voto do ministro Alexandre de Moraes no primeiro julgamento dos réus acusados de destruir patrimônio público e tentar criar ambiente favorável a um golpe de estado foi emblemático. O ministro do STF manobrou com propriedade seus argumentos, não aceitou razões contrárias e insistiu em apontar a tentativa de golpe de estado. No segundo dia de julgamento, ele perseverou nos seus argumentou e mostrou indignação com seu colega André Mendonça que argumentou no sentido de reduzir responsabilidades dos golpistas. No final do embate, 8 a 3 a favor da pena de 17 anos de prisão para o acusado

Narrativas à parte, o réu Aécio Lucio Costa Pereira inaugurou o caminho para longa permanência no xilindró. Ele já está preso. Pegou 17 anos de prisão, além de ter que restituir à União valores pelo quebra-quebra ocorrido dentro do Supremo Tribunal Federal, da Câmara e do Senado. As consequências estão chegando na forma das duríssimas sentenças prolatadas pelos ministros do Supremo, instituição diretamente atingida pelo motim ocorrido no dia 8 de janeiro.

Ainda sob pesado impacto emocional, a tendência é que os réus recebam penas pesadas, exemplares, para que ninguém mais cogite de agir contra as autoridades constituídas, nem contra instituições nacionais. Mas no STF o vento muda de tempos em tempos. A condenação do presidente Lula passou pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, no Rio Grande do Sul, foi aprovada pelo STJ e debatida diversas vezes pelo Supremo Tribunal Federal, que reiteradamente aceitou a tese de responsabilidade de Lula e o manteve na prisão na Polícia Federal em Curitiba.

O ministro Edson Fachin, de repente, entendeu que o processo implicou em erro fundamental, porque estava ligado a jurisdição equivocada. Não poderia ter sido iniciado em Curitiba, mas em Brasília. Com essa manobra, o ministro conseguiu liberar Lula da prisão, depois de 580 dias, sem acrescentar nada em relação à responsabilidade do acusado. Lula não foi inocentado, mas libertado porque o processo não obedeceu às normas do respectivo Código. Enfim uma questão processual e não de mérito.

Os tribunais que examinaram o processo do presidente Lula erraram antes ou erraram depois. Há argumentos para defender qualquer das duas posições. Com base naquela decisão, e no vazamento de escutas telefônicas ilegais, começaram a ser revistas algumas decisões da Corte maior. E recentemente, o ministro Dias Toffoli foi além: disse que a condenação de Lula foi “o maior erro do judiciário brasileiro”. E já existem disputas pelo mandato do Senador Sergio Moro, que está respondendo a processo também com objetivo de lhe tirar cargo de senador. Nenhuma decisão perdura. A história é reescrita ao sabor das conveniências políticas.

O Supremo mudou muito nos últimos anos. Quando estudante, resolvi fazer um curso de eletrônica, no curso noturno numa escola pública. No primeiro dia me assustei porque sentou-se ao meu lado, o ministro Vitor Nunes Leal, celebrado autor de “Coronelismo, Enxada e Voto”, jurista consagrado que infelizmente depois foi aposentado pelo regime militar. Ele se comportava na sala de aula como aluno normal. Nenhum privilégio, nem seguranças. Era tratado como um igual. Procurava montar seu rádio, que era nosso trabalho final. Ele construiu o dele. O meu funcionou pouco.

Já como repórter tive uma boa relação, de jornalista com a fonte, com o ministro Aliomar Baleeiro, presidente do STF. Ele teve voz forte em favor da redemocratização e do respeito aos direitos humanos. Conversamos diversas vezes de maneira informal. Nenhum protocolo especial. Na época, os ministros do STF só falavam nos autos. Baleeiro, ex-integrante da UDN, passou a criticar abertamente os militares. Ajudou no início da distensão política. Mas o Supremo mudou muito após o funcionamento da TV Justiça, o que é um elogio aos colegas que lá trabalham. Os ministros se tornaram artistas de televisão.

O ministro Dias Toffoli foi advogado da CUT, do PT e advogado-geral da União, chegou ao Supremo Tribunal Federal após o advogado Sigmaringa Seixas não aceitar o convite para integrar o colegiado. Diante da negativa, Lula decidiu indicar o protegido de José Dirceu. Quando preso, Lula pediu para comparecer ao enterro de seu irmão. Toffoli negou. Lula retornou ao poder. Então, ele decidiu que todo o processo foi errado. Nem as propinas confessadas pelos diretores da Odebrecht, que pagaram através do curioso departamento de operações estruturadas, existiram. Foi bonita, oportuna e incisiva a defesa da democracia brasileira assumida pelos oito ministros que votaram pela condenação dos réus. Mas no Brasil, o tempo é o senhor da razão. Aqui até o passado é incerto.

André Gustavo Stumpf é jornalista 

 

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