Opinião

Rebelde por natureza, como Rita Lee chamava o tumor que a mataria

“A censura não vai muito com a minha cara, nem eu com a dela”.

MissOwl/Reprodução

A ditadura militar de 64 não gostava de rock e nem de Rita Lee, que tampouco gostava dela. Não existia Ministério da Cultura quando Rita estourou nas paradas de sucesso com as músicas “Mania de Você”, “Chega Mais” e “Doce Vampiro”, em 1979.

O ministério só foi criado em 1985 pelo presidente José Sarney; extinto em 2019 por Bolsonaro, e agora recriado por Lula. Mas havia censura das brabas, embora toda censura seja burra. Liberou “Lança Perfume” , em 1980, por não ligar o nome às drogas.

Quatro anos antes, Rita havia sido presa sob acusação de porte de drogas. Grávida do primeiro filho, ficou 10 dias na cadeia, paparicada pelas outras presas. Foi Elis Regina, a cantora de maior sucesso no Brasil, que armou um auê e conseguiu libertá-la.

À época, também não existia a Ancine (Agência Nacional do Cinema), fundada em 2021 no governo Fernando Henrique Cardoso, e que Bolsonaro, uma vez empossado, ameaçou extinguir, dizendo que desejava impor um “filtro” às produções:

“Se não puder ter filtro, nós extinguimos a Ancine”.

Acusou a agência de financiar “filmes pornográficos” e defendeu que o cinema brasileiro passasse a exaltar nossos “heróis”. A Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) já existia. Veio à luz no governo Collor, em 1991, perdendo relevância no de Bolsonaro.

O teto para a captação de recursos via Lei Rouanet foi reduzido de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão. Bolsonaro nunca foi ao cinema. E sempre o considerou um meio a serviço da subversão política e da demolição dos sacrossantos valores da família.

Um documentário sobre Chico Buarque deixou de ser exibido no Uruguai por ordem do Itamaraty. O chanceler Ernesto Araújo, à direita de Bolsonaro, se é que uma coisa dessas é possível, disse simplesmente que a obra não interessava ao governo.

Em uma entrevista de 1984, um ano depois que seis das 12 faixas do seu álbum “Bombom” foram proibidas, e duas vetadas no rádio e na televisão, Rita desabafou com muita exasperação, mas com uma dose de refinada ironia, uma de suas marcas:

“A censura não vai muito com a minha cara, nem eu com vou com a dela”.

No ano seguinte, interrompeu um show e bateu forte em Solange Hernandes, a chefe do departamento federal de censura:

“Há nove anos a senhora me censura. Venha tomar um cafezinho, quem sabe a senhora para de me prejudicar…”

Despediu-se da vida pública, em 2012, com um show em Sergipe, enfrentando policiais que revistaram a plateia à procura de drogas:

“Sou do tempo da ditadura. Vocês pensam que eu tenho medo?”

Estava com 64 anos. Foi detida e solta em seguida. Em maio de 2021, quando o Brasil já contabilizava 462.791 mortes e 16.545.554 casos do novo coronavírus, Rita foi diagnosticada com um tumor primário no pulmão esquerdo após exames de rotina.

Então resolveu homenagear Bolsonaro batizando de Jair o tumor que acabaria por matá-la.

Ricardo Noblat é jornalista

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