Opinião

O mesmo enredo

Lula e Bolsonaro se esforçam para manter a rixa acessa

Por Mary Zaidan

Ao contrário da máxima de que no Brasil o ano só começa depois do carnaval, em 2023 o país acordou muito antes e em ritmo acelerado. Para o bem e para o mal. De um lado e de outro da insuportável rixa que há anos nos rege.

Apenas uma semana depois da festa de posse de Luiz Inácio Lula da Silva, centenas de vândalos depredaram as sedes dos três Poderes – Congresso Nacional, STF e Palácio do Planalto -, na expectativa de derrubar o governo. A reação firme das instituições e o apoio popular a ela, além da postura ativa do presidente, fez crer que o tempo de paz preconizado pelo vencedor estava por vir. Mas qual o quê. A guerra continua acirrada.

Eleito sob o manto de uma frente ampla, Lula rapidamente se despiu da fantasia de conciliador, repetindo o batido enredo de praguejar contra os que dele discordam. Soltou os cachorros contra a autonomia do Banco Central e seu presidente, a taxa de juros, a meta de inflação. Criou um fuzuê danado que, na prática, resultou em soma zero para o seu governo. Alguns garantem ser zero a favor dele, só por ter colocado o tema em debate.

Pode até ser. Mas o fato é que os sinais emitidos pelo presidente têm sido no mínimo confusos – ou propositalmente antagônicos. Como se sabe, o digladio contínuo é estratégico para Lula se manter forte.

Lula bate, anima a sua galera, e o ministro da Fazenda Fernando Haddad assopra. Bate de novo e lá vem o sopro do Haddad. Mesmo que o movimento seja ensaiado – e muitos duvidam disso -, é uma cadência de alto risco. Mais ainda quando o bumbo de Lula bate naqueles que se uniram a ele na campanha.

Sem meias palavras, Lula desrespeita as demais siglas que compõem o arco de alianças que seu governo precisa ter ao dizer que o PT é o único partido “com cabeça, tronco e membro” do país. E mente ao esbravejar que surrou Jair Bolsonaro nas urnas. A vitória foi apertadíssima, por menos de 2 pontos percentuais. E se deveu, fundamentalmente, a forças que nunca morreram de amores por Lula, mas que a ele empenharam apoio para derrotar Bolsonaro e tudo o que ele representa.

Nem mesmo as boas notícias foram apaziguadoras. O anúncio do novo salário mínimo para R$ 1.320, primeiro aumento real acima da inflação em anos, e da elevação do teto de isenção para o imposto de renda, o que não ocorria há uma década, acabou contaminado pelas falas impróprias de Lula. Em especial a acusação sem pé nem cabeça de que a tentativa de golpe de 8 de janeiro teria sido “a revolta dos ricos”.

 
Por sua vez, o PT enfeita a trama. Reescreve a história, afastando de si os anos de corrupção, com bilhões já devolvidos à Petrobras e ao erário, taxam de golpe o impedimento constitucional de Dilma Rousseff, aprovado pelo Senado e pelo STF, e mantém a faca entre os dentes. Quem não concorda com as teses do partido é inimigo, está contra o país. É de direita, bolsonarista.

Do outro lado, ainda que Michelle Bolsonaro diga que não, o ex prepara a sua volta ao Brasil para, como disse, “liderar a direita”. Até queria fazê-lo logo depois do carnaval, mas não resistiu à tentação – e à excitação – de participar do próximo CPAC, evento que reúne as maiores lideranças de direita do mundo, previsto para o início de março, em Washington. Lá, finalmente, vai poder reencontrar seu ídolo Donald Trump, um dos destaques do encontro. Para o retorno, aliados estão preparando uma mega-recepção, provavelmente em São Paulo.

Mesmo fora do país, Bolsonaro quer se manter no ringue. Na sexta-feira, seu advogado João Henrique disse que vai analisar a declaração de Lula à CNN, na qual comparou o ex a Hitler e Mussolini – munição gratuita dada ao adversário. Prova disso são os argumentos do advogado: “A gente defende o direito à liberdade de expressão, mas a liberdade não dá o direito de injuriar alguém… A democracia não é feita só de direito, mas de deveres também.” É duro ter de ouvir isso do defensor de Bolsonaro, que, como é sabido, jamais deu bola para liberdade ou democracia.

Infelizmente, esta não é uma batalha de confetes. Tudo indica que continuará viva e agressiva por um lado e outro. Aos brasileiros, resta a folia. Com alegria, música e fantasias – se possível, sem brigas por ideologia. A todos, um bom carnaval.

Mary Zaidan é jornalista

 

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