Opinião

O paradoxo de Medellín: repressão ou prevenção

Impossível sair de 381 homicídios/100 mil habitantes para razoáveis 23 homicídios/100 mil sem as ações da polícia e da Inteligência

Por Felipe Sampaio

Reprpdução

A história da pacificação de Medellín, Colômbia, é contada sob dois pontos de vista que podem parecer contraditórios. Um deles narra os confrontos sangrentos entre as forças de segurança federais e o cartel do traficante Pablo Escobar. O outro fala dos investimentos municipais em urbanização e políticas sociais.

Visitei Medellín em 2018, na comitiva do então ministro da Segurança Pública brasileiro, para entendermos como uma cidade tão violenta tornou-se exemplo de segurança cidadã e redução da desigualdade social.

Provavelmente, não teria se livrado da dominação do narco terrorismo da década de 1980 apenas com urbanismo social. Do mesmo modo, não ganharia ares de ‘cidade de primeiro mundo’ apenas por meio de operações policiais.

Nesse sentido, além das visitas às favelas urbanizadas e às organizações sociais, nos reunimos com o Comando-Geral da Polícia Nacional, o Ministro da Defesa e Segurança da Colômbia, o UNODC – Escritório da ONU para Drogas e Crime e o ex-presidente da Colômbia Cesar Gaviria, contemporâneo dos combates mais duros da era Escobar.

Estávamos certos. Teria sido impossível sair de um índice anual de 381 homicídios/100 mil habitantes para razoáveis 23 homicídios/100 mil sem as ações da polícia e da Inteligência. A prefeitura de Medellín não teria conseguido debater um plano de desenvolvimento urbano em um bairro onde milícias ou quadrilhas impedem a livre expressão.

Foi preciso construir essas condições, em que o território consegue abrir suas portas para o diálogo seguro e democrático. Por isso, aquele Estado paralelo criminoso na Colômbia precisou ser desbaratado pelas forças de segurança a partir dos anos 1990.

No entanto, a fronteira entre a repressão e a prevenção é sutil e pode passar despercebida. No exemplo colombiano, a passagem aconteceu a partir do momento em que a violência do Estado equiparou-se à violência dos criminosos.

Ao longo da viagem, pudemos entender a transição da fase do enfrentamento armado entre o Estado e o crime organizado para uma etapa de recomposição do Estado de direito e da cidadania, planejamento de longo prazo, governança democrática e investimento público (especialmente no nível municipal).

Desde o início dos anos 2000, o governo federal, a prefeitura e a sociedade pensam em conjunto e com transparência, focados na redução das desigualdades e na segurança cidadã de Medellín.

No Brasil, é verdade que não estamos nem perto do drama colombiano, apesar da escalada de violência em áreas como as favelas urbanas e a Amazônia, que ameaça a soberania cidadã e a qualidade de vida.

Contudo, a incubadora da insegurança é a desigualdade social. Cada vez que um jovem preto pobre vira caso de polícia, a sociedade perde mais uma corrida contra o crime. Por isso, as políticas preventivas devem se dar em torno da redução das desigualdades em suas diversas dimensões.

Nesse ponto, vale reafirmar a importância das prefeituras. Afinal, é nas cidades que a vida acontece. E é papel da União apoiar a centralidade municipal na prevenção da insegurança e das ilegalidades.

Felipe Sampaio: ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020); foi assessor especial dos ministros Segurança Pública (2018) e da Defesa (2016-2018); colabora com o Centro Soberania e Clima.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *