Opinião

Brasil oferece o necrotério aos ativistas ambientais

Até aqui, a história do ativismo ambiental brasileiro aponta ampla vantagem aos criminosos

 

Eliésio Marubo

Policiais federais carregam o caixão com os restos mortais do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, encontrados ontem na AmazôniaIgo Estrela/Metrópoles

A naturalização do desrespeito aos direitos da pessoa humana é fomentada pelo Estado brasileiro. Prova disso é que entre os anos de 1985 e 2021, 90% dos crimes de assassinato cometidos contra ativistas ambientais não foram julgados, segundo dados reunidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). As ameaças de morte, que precedem as atrocidades, sequer merecem atenção das autoridades policiais.

E um fato recente corrobora a indiferença: no dia 27 de outubro último, prevendo o pior, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), atendendo a um pedido feito pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), solicitou ao Brasil que adote medidas de proteção em meu favor e de mais dez ativistas da Univaja. O prazo de 15 dias para as autoridades brasileiras se manifestarem acabou, sem que medidas fossem tomadas em nosso favor.

Não nos surpreende essa falta de atitude do atual governo, que se iniciou em 2019. O CIDH e a Comissão Arns – uma rede suprapartidária de defensores dos direitos humanos – previram o pior contra o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. O resultado foi o assassinados de ambos no dia 5 de junho de 2022, enquanto navegavam pelo rio Itacoaí, no Vale do Javari. Amarildo da Costa, Oseney da Costa e Jefferson da Silva foram presos e denunciados pela participação nos assassinatos. Eles só serão ouvidos em juízo entre os dias 22 e 24 de janeiro de 2023.

Entretanto, o suposto mandante dos crimes, Ruben Villar Coelho, o Colômbia, foi preso ao se apresentar à Polícia Federal (PF) portando documentos falsos. Foi oferecido contra ele, também, um mandado de prisão por associação armada e crimes ambientais. Mas, após ter pago fiança de R $15 mil, cumpre prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, em Manaus.

Se antes a letargia era por conta dos trâmites burocráticos que dificultavam a proteção aos ameaçados, agora, o negacionismo climático, o ódio aos povos originários e a complacência com a atuação do crime organizado reinam ao ponto de as autoridades ignorarem solenemente as recomendações de órgãos internacionais, como a CIDH/OEA.

No último dia 17, a Associação Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) denunciou que uma liderança ficou sob a mira de uma espingarda empunhada por um pescador, que se encontrava na companhia de mais dois, no Vale do Javari. Eles estavam em um barco cheio de tracajás, o que configura pesca ilegal em terra indígena. Após pedidos de clemência por parte dos parentes, que estavam em outro barco assistindo atônitos a injustiça cometida, os criminosos se afastaram.

Porém, a uma certa distância, dispararam contra o grupo. Os disparos atingiram o tanque de combustível da embarcação dos kanamari. Um outro grupo de indígenas, em outro barco, assistiram a cena aterrorizados, sem nada poderem fazer para acudir os parentes.

A liderança, que ficou sob a mira da espingarda, relatou que o criminoso a jurou de morte assim que ela chegasse a Atalaia do Norte, no Amazonas, na fronteira do Brasil com o Peru, dizendo ainda que seu fim será igual ao de Bruno e Dom. Em busca de justiça, a kanamari acompanhada de uma liderança foram à sede da PF e ao Ministério Público Federal (MPF), em Tabatinga, solicitar providências às autoridades, no último dia 16.

Para o deslocamento, tiveram de solicitar ainda um agente da Polícia Militar do Amazonas para acompanhá-los, pois os funcionários da Funai também estão sob ameaça do crime organizado que atua na região e, por isso, têm medo de morrer.

Aliás, não é para menos: o servidor do órgão Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado em 2019, em Tabatinga. As investigações só foram retomadas pela PF em setembro deste ano. Ele foi a primeira vítima do descaso do governo brasileiro para com os povos originários.

Até aqui, a história do ativismo ambiental brasileiro aponta ampla vantagem aos criminosos. Esperamos que a partir do próximo ano, com um novo governo prometendo mudar a política ambiental e, também, implantar o Ministério dos Povos Originários, ela possa deixar de ser escrita com o sangue dos defensores das florestas. Assim, esperamos.

Eliésio Marubo é procurador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja)

 

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