Opinião

O tabu chamado assédio.

 
 
Reprodução

Expressões como: “Hooo lá em casa”; “Que isso heim!”; “Nossa! Que delícia”; para não ser mais grosseiro, são expressões que eu mesmo já usei em diferentes contextos há muito tempo atrás.

Contudo, hoje tenho consciência suficiente para entender que em 90% das vezes (ou mais que isso mesmo) isso fica muito longe de ser interpretado como uma cantada, um elogio ou mesmo uma brincadeira, e percorre a seara do assédio sexual.
Não vou dizer 100% dos casos por não ter propriedade sobre esse assunto, e por entender que é possível que alguém goste, a depender do contexto.

Mas de modo geral, quando falamos de ambiente de trabalho (no qual irei focar) isso é de fato muito deselegante, constrangedor, invasivo, importuno, grosseiro, ridículo (sim, repetindo julgamentos de propriedade de algumas mulheres que conheço).

Outra coisa que precisa ser dita é quanto ao olhar (tudo bem que mulher também olha, mas sou homem, vou falar de nossa parte).

Seu olhar pode ser um olhar respeitoso, disfarçado, apreciador (desde que não notado pela outra parte); contudo, se notado, poderá ser invasivo, inoportuno, abusivo.

Uma mulher sabe diferenciar um olhar respeitoso de um “despidor”.

Já sei, você talvez seja do time que não resiste ao ver um sorriso maquiado, um salto alto de bico fino, um vestido colado, um decote ou saia curta talvez.

Eu também acho isso tudo interessante, mas daí concluir que a mulher deva ser “elogiada” é um passo muito grande amigo.
Se ainda fosse um elogio desligado de suas qualidades físicas ou de sugestões que envolvam suas roupas; em momento compatível; em uma comunicação agradável; e para alguém que te conhece bem e sabe que não se trata de uma investida, então seria legal.

Infelizmente a palavra chave atuante em nossa sociedade é “extrapolar”, é o viver intensamente, a vida louca, o tudo e agora, o imediatismo e nesta tentativa acabamos por extrapolar em muitas situações.

Esse é o problema, extrapolamos na confiança, na liberdade, no momento, na linguagem, na expressão. É exatamente isso que devemos aprender a evitar.

Na verdade, até entre amigos eu fui informado que “essas cantadas’ soam extremamente agressivas, ainda que a garota venha a sorrir e educadamente se retirar, ou faça um “misterioso silêncio”.

Sim, o silêncio já lhe disse tudo, você é que se recusa escutar.

E por qual razão estou falando isso?

Pelo motivo de notar o crescimento no número de notícias, denúncias e relatos de assédio sexual no Brasil, em Mato Grosso, e em qualquer lugar.

Pelo motivo de ver essa situação ocorrer dentro das universidades e das escolas, e não ver nenhum programa de governo atuar na promoção do ensino da prevenção e educação da sociedade junto aos nossos alunos.

Entendo que não basta criar cartilhas se não vamos utilizar de modo contínuo e planejado no fazer escolar; não basta criar propaganda de combate a violência se ela não for veiculada no horário em que as crianças possam observar, e se não o fizer de modo sistemático e contínuo.

Não basta ter programas e os veicular se não iremos acompanhar sua implantação, medir seu alcance, refazer a aplicação e avaliar seus resultados para o melhorar e voltar a aplicar até chegar ao nível desejado de ação, como a redução de casos por exemplo.

Ouvimos com frequência personalidades e influenciadores gritarem que vivemos em uma sociedade machista, que devemos fazer mais por nossas mulheres e crianças, mas não vejo uma novela explorar este conteúdo, um filme abordar uma rejeição a estes casos, ou mesmo as músicas estimularem outras formas de se aproximar da mulher.

É, acho mesmo que estou gritando só e feito louco um assunto que talvez pouca gente queira debater.

Um tabu, um jabuti na cozinha, já que ao fazer poderá ser que alguém nos acuse de sermos “hipócritas”, não é mesmo?
Só que não.

Eu gosto de tropeçar em fotos sensuais também; de olhar ao longe a garota passar; de ver filmes onde tenha algumas imagens picantes. Isso sim é natural. O que não pode ser jamais naturalizado é a submissão da mulher em viver em um mundo hostil, só por que seus homens não querem mudar, não querem abrir mão de fazer as brincadeiras que sempre fizeram, de tentar tirar proveito, de se sentirem os tais quando as colocam e situações desconfortáveis em nome da manifestação de sua virilidade secular.

Isso sim é que está errado, sempre esteve, e infelizmente, não vejo perspectiva de isso vir a mudar.

Ainda assim, acredito firmemente que precisamos ensinar nossos jovens a amar; respeitar; cuidar.

A expressar seus desejos sem agredir, ou mesmo violar o espaço e a dignidade do outro.

Afinal, o que começa hoje com “Que gostosa” pode terminar amanhã com um beijo forçado ou algo pior.

O assédio sexual a meu ver é a porta de entrada para se naturalizar a importunação sexual e o estupro (aquela encoxada ou passada de mão na escola, no trabalho ou na lotação).

Espero que este artigo possa chamar a atenção de pessoas e entidades que possam de alguma forma atuar nesta direção, de tornar este tema algo rotineiro na educação, nas mídias, nas telenovelas, nos filmes, onde puder ser utilizado como ferramenta para combater essa cultura que faz muito mal a uma grande parte da sociedade (desde sempre).

Eu posso dizer que estou fazendo minha parte onde meus braços podem alcançar (no meu trabalho e na mídia principalmente).

E você? Como pode ajudar?

Deixo aqui meu convite.

Não se omita.

Compartilhe em suas redes sociais.

Vamos participar.


Ricardo Augusto de Oliveira é servidor público da educação de Mato Grosso

Gazeta Dizital

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *