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O Brasil que passa fome: “Sozinha é difícil demais”

Adriana Pires da Silva, de 41 anos, moradora de Costa Barros, bairro do Rio de Janeiro (RJ)

O Brasil tem 16 milhões de pessoas vivendo em favelas, segundo a Central Única das Favelas (Cufa), que tem promovido um dos maiores programas nacionais de assistência alimentar. Mais da metade dessa população, 9 milhões, diz ter perdido renda durante a pandemia.

Conforme pesquisa divulgada pela Cufa em fevereiro, nove em cada 10 moradores dessas comunidades receberam alguma doação no último ano, e oito em cada 10 não teriam tido condições de se alimentar direito ou comprar produtos de limpeza sem essa ajuda.

Umas delas é a carioca Adriana Pires da Silva, de 41 anos, moradora de Costa Barros, bairro do Rio de Janeiro (RJ). O local concentra diversas comunidades que abrigam famílias que perderam seus rendimentos nos últimos meses.

No caso de Adriana, o desemprego chegou há quatro anos; há seis, ela teve um filho assassinado numa ação da Polícia Militar. A situação de pobreza se agravou ainda mais em 2020 – para ela e para sua outra filha, ainda criança.

“Era uma vida razoavelmente tranquila, tinha uma rotina. Nunca tive uma condição financeira boa, e por isso a gente já ficava em casa. Não dá pra passear com criança sem dinheiro e ver que ela quer as coisas o tempo todo e não posso dar. Ela não entende”, diz a mulher. “Se eu adoecer, não vou ter quem me ajude e ainda posso deixá-la [a filha] doente.”

Para Adriana, é doloroso saber que, em casa, come-se o que dá e não o que se quer. “A última compra de alimentos que fiz foi com o cartão alimentação da minha filha, dado pela escola pela falta de merenda. Mas R$ 50 não dá. Compro o mais barato. Salsicha, ovo, pão e manteiga”, conta.

Sem renda e abandonada pelo ex-marido, Adriana se deparou com a crise depois do momento mais difícil que enfrentou até hoje: “Não faltou comida. Não como o que quero, compro o que o dinheiro dá no mercado. O pão ainda não faltou. Mas ainda tem a morte do meu filho, morto por quem deveria protegê-lo. Por isso eu digo que é um milagre eu estar viva. Não consigo confiar mais nas pessoas. É difícil acreditar de novo. Para sobreviver sozinha, é difícil demais”, desabafa.

Adriana segue “na luta”, com as alternativas com as quais pode contar. “Até o fim do ano passado, ainda tinha o auxílio emergencial. Desde janeiro que estou vivendo apenas com R$ 150 da pensão da minha filha. O Bolsa Família estava suspenso por causa do meu CPF, que estava irregular. Vou voltar a receber os R$ 130 a partir do dia 22 de abril. E desde janeiro comecei de novo a pedir emprego. Agora eu também consegui me cadastrar no novo auxílio emergencial, que vai me dar mais R$ 150. E conto com a ajuda de redes de apoio, de ONGs como o Rio de Paz, por exemplo, de quem recebo cestas básicas. Vizinhos me ajudam também. Agora é esperar as promessas de emprego que recebi.”

O futuro, para Adriana, é muito incerto, mas ela mantém a esperança – que tantos outros, na mesma situação, têm perdido.

“Pretendo que minha filha tenha um futuro melhor. Quero que ela seja independente, que tenha um marido porque quer e não pra depender dele para sobreviver. Não sei, mas já acho que é exceção as mulheres serem felizes com alguém”, atesta. “Vivi um sentimento de desesperança, de decepção com a humanidade. O carro onde meu filho estava foi fuzilado e nem quem fez isso merece uma morte dessas. Mas, pela minha filha, tenho esperança. Queria me mudar daqui, criar minha filha em outro lugar, com mais conforto”, conclui.

O cobertor curto do novo auxílio emergencial

Menor e menos abrangente do que o do ano passado, quando foram repassados R$ 295 bilhões no total, o novo auxílio emergencial tem R$ 44 bilhões para distribuir a cerca de 40 milhões de famílias. Como mostram as pesquisas, o repasse tem sido insuficiente para barrar o avanço da fome no país.

Procurado, o Ministério da Cidadania informou que o governo tem feito esforços contra a pobreza.

“O governo federal tem trabalhado sistematicamente para fortalecer os programas sociais e estabelecer uma rede de proteção para a população mais vulnerável. Somente em 2020, foram investidos mais de R$ 365 bilhões em políticas socioassistenciais que vão da primeira infância à terceira idade, executadas pelo Ministério da Cidadania. Iniciativas como o Programa Bolsa Família (PBF), o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Auxílio Emergencial reduziram em 80% a extrema pobreza no Brasil”, defendeu a pasta, em nota.

“No ano passado, foram apoiadas diretamente pelo Auxílio Emergencial 68,2 milhões de famílias, o que significa um total de 118,7 milhões de pessoas beneficiadas, 56,1% da população brasileira. Trata-se do maior benefício já criado no Brasil, o equivalente a mais de 10 anos de investimento no Bolsa Família”, menciona, ainda, a nota oficial.

Metrópoles/Reportagem espacial – parte III

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